* Escrito por Alonso Freire (UFMG), do blog Teoria do Direito.


O primeiro contato que tive com os escritos de Ronald Dworkin deu-se em 2002, precisamente no mês de setembro daquele ano, quando foi publicada no Brasil a tradução de Taking Rights Seriously, com o título Levando os Direitos a Sério. Naquele semestre, eu estava cursando o oitavo período da faculdade de Direito. Àquela altura, eu já tinha passado por todas as disciplinas propedêuticas do curso e para a maioria dos meus colegas voltar a estudar Teoria do Direito era uma perda de tempo, devido ao fato de que o Exame de Ordem se aproximava e antes deles tínhamos que elaborar e defender, perante banca examinadora, nossas monografias de conclusão de curso. Além desses razoáveis argumentos, havia uma circunstância agravante. À época, eu trabalhava no Tribunal de Justiça do Estado, exercendo minhas funções no gabinete de um dos seus desembargadores. Minhas atividades eram supervisionadas por assessores que não estavam nem um pouco preocupados ou interessados em discussões que fugissem ao Direito Processual Civil. A despeito de todas essas circunstâncias, naquela época eu já estava decidido a me dedicar à pesquisa e à docência. Também já estava decidido a me submeter à seleção do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo pouco mais de um ano para me preparar.


Comecei a ler o livro sem nenhuma noção daquilo com que eu iria me deparar. Meus conhecimentos sobre a Teoria do Direito limitavam-se aos escritos de Norberto Bobbio e Hans Kelsen. Eu já tinha ouvido falar da distinção feita por Dworkin entre regras e princípios e sabia que isso tinha sido responsável por uma importante guinada no Direito. Contudo, após ler os primeiros capítulos daquela obra, percebi que eu estava diante de um teórico profícuo o bastante para que se considerasse injusta a redução da sua contribuição apenas à distinção por ele feita entre regras e princípios.


No final da década de 1990, a maioria dos autores brasileiros já aceitavam ser o Direito um conjunto de normas, sendo norma um gênero do qual seriam espécies as regras e os princípios. Mas pouquíssimos autores atentavam para o fato de que essa distinção não dizia respeito apenas ao modo de aplicação desses padrões. A grande maioria não percebia ou omitia as implicações mais profundas que decorrem dessa distinção, implicações estas que até hojem ocupam os críticos de Dworkin e este ao ter que responder às mais variadas críticas desenvolvidas contra sua teoria. Na verdade, seria correto afirmar que são essas implicações que mais “pertubam” a mente daqueles que se dedicam ao estudo da Teoria do Direito. Mais que isso: são elas responsáveis por um verdadeiro reavivamento das discussões relacionadas a essa área do conhecimento jurídico. O que a maioria dos autores brasileiros ignorou foi o fato de que essa distinção implicou a não separação entre questões analíticas e que questões normativas ou a reunião dessas questões após a separação feita por John Austin no século XIX. A teoria de Dworkin está assentada em uma teoria moral e política mais geral. Digo isso porque se reduzirmos a distinção entre regras e princípios como separação de padrões normativos que compõem o direito, teremos que reconhecer que foram dados muitos poucos passos de Jeremy Bentham para cá na Teoria do Direito.


Dworkin fala de princípios em sentido amplo e em sentido estrito. No sentido amplo, princípios seriam padrões que não se assemelham às regras. No sentido estrito, princípios seriam padrões que além de serem diferentes das regras também o são das políticas. Essas dizem respeito à promoção de um fim social. Àqueles são observados, não porque implementam ou asseguram uma situação social, politica ou econômica desejável, mas por serem uma exigência da moral política. A diferença “qualitativa” entre regras e princípios não foi aceita sem reservas por alguns importantes teóricos. Por exemplo, entre autores estrangeiros, Robert Alexy e Alexander Peczenik estão entre aqueles que a reconhem e Neil MacCormick e Joseph Raz fazem parte do grupo dissidente. No Brasil, a distinção entre regras e princípios parece não ter encontrado resistência. Tem sido, pelo contrário, muito festejada. Quase todos os autores que escreveram ou escrevem sobre princípios reduzem, no entanto, esses padrões ao Direito, no seguinte sentido: os princípios podem ser diferentes das regras mas ainda assim devem ser jurídicos. O problema é que podemos observar na grande maioria dos textos e livros brasileiros que tratam dessa distinção a omissão da informação de que os princípios, em sentido estrito, não são e nem precisam ser necessariamente jurídicos. Em outras palavras, os autores brasileiros não afirmam, categoricamente, que a distinção entre regras e princípios tal como formulada e pensada por Dworkin implica na possibilidade de se reconhecer princípios morais como padrões de comportamento para o Direito. Acredito que essa omissão se dá por duas razões. Primeiro, pode ser que os autores brasileiros receiam afirmar que os princípios incluem padrões morais e por isso não escrevem a respeito, sob pena de estarem assumindo um fundamento já não mais aceito pela maioria dos estudiosos. Segundo, pode ser que esses autores não tenham compreendido a própria teoria de Dworkin. Essa última possibilidade pode decorrer de vários fatores, como, por exemplo, a leitura apressada e desatenta, a leitura feita apenas de comentadores, ou a leitura incompleta, no sentido de que, embora esses autores tenham lido sobre essa distinção, não teriam eles dado continuidade à leitura dos escritos de Dworkin, sobretudo dos textos nos quais este autor veicula suas respostas aos seus críticos.


Um dos primeiros e principais críticos dessa distinção foi Joseph Raz. Em seu artigo Legal Principles and the Limits of Law, publicado em 1972, Raz afirma que “não há nada na argumentação de Dworkin que demonstre haver razão para se abandonar a tentativa de estabelecer os limites do Direito”. Ou seja, não haveria nenhum argumento plausível para abandonarmos a pretensão de autores de definir o que é o Direito, no sentido de identificar quais padrões são jurídicos e quais não o são. Raz quer dizer com isso que a crítica de Dworkin a Hart, no que diz respeito à impossibilidade de alguma regra de reconhecimento fornecer um teste capaz de identificar princípios, deve ser rejeitada. Para ele, Dworkin estaria correto apenas se afirmasse que padrões “não-jurídicos” também devem fazer parte do Direito.


O erro de Raz é o mesmo no qual incorrem muitos juristas brasileiros: pensar que, para Dworkin, princípios seriam apenas padrões jurídicos. Ao responder a Raz, em 1972, Dworkin esclareceu:

“Na verdade, quero opor-me à ideia de que ‘o direito’ é um conjunto fixo de padrões de algum tipo. Ao contrário, o que enfatizei foi que uma síntese acurada dos elementos que os juristas devem levar em consideração, ao decidirem um determinado problema sobre deveres e direitos jurídicos, incluirá proposições com a forma e a força de princípios e que, quando justificam suas conclusões, os próprios juízes e juristas, com frequencia, usam proposições que devem ser entendidas dessa maneira. Nada disso, creio, compromete-me com uma ontologia que pressuponha qualquer teoria específica da individuação.”


Ora, bem observada, a relutância dos autores brasileiros em aceitar o fato de que Dworkin defende, sim, o reconhecimento de princípios morais como padrões para o Direito quando fala de princípios pode ser decorrente do fato de esses autores defenderem, na maioria dos casos de forma inconsciente, duas possíveis e distintas estratégias positivistas (sim, positivistas) descritas por Jules Coleman em seu livro The Practice of Principle. A primeira delas, chamada de positivismo “exclusivo”, e que tem Joseph Raz como seu paladino, insiste que aquilo que no Direito se proíbe ou se permite não pode depender de qualquer critério ou padrão moral. A segunda, defendida com veemência pelo próprio Jules Coleman e por ele denominada positivismo “inclusivo”, defende que o Direito pode conter critérios ou padrões morais, mas somente se houver uma convenção a esse respeito. Essa última estratégia mereceu maior atenção de Dworkin, pois Coleman insiste afirmar que os princípios morais só se tornam aplicáveis às controvérsias jurídicas quando normas jurídicas, que não possuem conteúdos morais, os designam como jurídicos. Referindo-se ao que já argumentava em 1967, Dworkin, trinta anos depois, novamente esclareceu sua posição:

“Apresentei o argumento doutrinário de que não podemos entender a argumentação e a controvérsia jurídicas exceto a partir do pressuposto de que as condições de veracidade das proposições de direito incluem considerações morais. Não pretendi apresentar, afirmei, o argumento taxonômico falacioso de que tudo que fizer parte dessas condições de veracidade deve ser considerado como pertencente a um conjunto distinto de regras ou princípios que chamei de jurídicos. De lá para cá, creio que meus textos sobre o positivismo deixaram claro qual é o meu alvo”.


A maioria dos autores brasileiros também considera que a distinção entre regras e princípios feita por Dworkin foi responsável pela passagem do positivismo para o “pós-positivismo”. Esse “pós-postivismo” é definido de vários modos, mas suas definições sempre incluem o fato de o Direito não ser mais algo composto apenas por regras mas o de ser ele, agora, um conjunto mais amplo no qual se incluem também os princípios. Muitos chegam, inclusive, a afirmar que Dworkin seria um “pós-positivista”. Não estariam esses autores equivocados se Dworkin considerasse os princípios apenas como padrões jurídicos. Assim sendo, seria compreensível o uso do “pós”, pois representaria um avanço, que no caso seria a inclusão dos princípios como espécies de normas jurídicas. Contudo, Dworkin não é um pós-positivista, mas, sim, um antipositivista, como ele próprio se denomina. Explicararei, porém, essa questão em outro artigo.



Gary Minda aponta que o movimento Critical Legal Studies (CLS) surgiu a partir de um encontro de professores de direito na Universidade de Wisconsin (University of Winconsin Law School) no ano de 1976, formando um grupo de discussões denominado The Conference on Critical Legal Studies, o qual se tornaria, anos depois, um dos mais importantes movimentos intelectuais no direito norte-americano:

Como movimento intelectual, o CLS representa um rico, embora diverso, leque de visões e abordagens teóricas para a compreensão da natureza do direito e das decisões judiciais na era moderna. O Critical Legal Studies oferece uma distinta e progressiva forma da teoria geral do direito, desenvolvida a partir de fontes intelectuais ecléticas. A escrita deste movimento é “crítica”, pois é conscientemente associada com a contracultura e com nova esquerda política dos anos 60. O movimento Critical Legal Studies avançou seus projetos intelectuais ao redescobrir o potencial político da crítica política do direito apresentada pela vertente radical do realismo jurídico, o qual permanecia dormente desde a década de 30.[1]

Assim, conforme Minda, o início do movimento, entre as décadas de 70 e 80, se caracterizou pela desconstrução do conceito de direito, o qual consistia, segundo a doutrina majoritária, num corpo coerente de princípios e políticas públicas que uniformizavam e racionalizavam fundamentalmente valores compartilhados. O objetivo era revelar como o direito justificava a dominação e o privilégio através dum discurso profissional abstrato, tido como neutro. Os acadêmicos do Critical Legal Studies analisavam a doutrina legal como uma série de construções ideológicas que apoiavam arranjos sociais existentes ao convencer os atores legais e cidadãos comuns que os sistemas jurídico e social eram inevitáveis e basicamente justos.[2]


Wayne Eastman aponta que o tema central da análise da Law & Economics pelos teóricos da Critical Legal Studies é a constatação de que a Escola de Chicago, apesar de estar encoberta por um discurso supostamente apolítico e técnico, é, na verdade, um projeto intensamente político, de forte caráter ideológico de direita, situando-se entre o pragmatismo, o centralismo tecnocrata e o liberalismo mercadológico[3].


Roberto Mangabeira Unger, jurista brasileiro e professor em Harvard, foi um dos pivôs do movimento. O autor escreveu em 1983 a importante obra-manifesto The Critical Legal Studies Movement, sintetizando as ideias principais deste movimento nas suas primeiras linhas:

O movimento Critical Legal Studies tem minado as ideias centrais do pensamento jurídico contemporâneo, apresentando uma nova concepção do direito em seu lugar. Esta concepção implica numa visão da sociedade e informa a existência da Política.[4]

O eixo principal desta obra é, sem dúvidas, a Política. A máxima do livro é que direito é política. A frase “law is politics”, aliás, é uma das definições básicas do movimento Critical Legal Studies, o qual analisaremos sem o propósito de exaurirmos a profundidade da produção científica desta corrente doutrinária nos Estados Unidos e na Europa.


Com relação ao Law & Economics, Roberto Unger defende que tal movimento apenas serviria ao pensamento político da direita. Para o jurista:

A Law & Economics invocou exigências da prática (com implicações normativas), que supostamente estão na base do sistema jurídico e sua história, os direitos e princípios da escola, os imperativos morais alegadamente localizados dentro do ordenamento jurídico em si. A escola Law & Economics tem servido à direita política, aos direitos e princípios da escola, e os centro-liberais. Mas ambas as tendências teóricas podem ser entendidas como esforços para recuperar a posição objetivista e formalista. É através da reformulação do objetivismo e do formalismo que nós as rejeitamos[5].

Na concepção crítica de Unger, a escola Law & Economics teria como eixo central o conceito de mercado, abstraído na ideia de maximizaçao das escolhas junto ao contexto institucional particular.


Para Arnaldo Godoy, Roberto Mangabeira Unger seria refratário ao pensamento de Posner:

Segundo Mangabeira, a noção formal e analítica de alocação de recursos e de eficiência substancializa teoria muito particular de crescimento econômico, bem como simplesmente a defesa de ordem institucional também particular. O Law & Economics radicaria no projeto científico do século XIX, do qual o liberalismo jurídico seria o expoente normativo e institucional. Juristas clássicos desenvolveram doutrinas sociais conservadoras, apresentando versão diluída da teoria social moderna, que triunfou no século XX. Para Mangabeira, essas doutrinas buscam uma fórmula canônica de vida social e de personalidade que jamais poderia ser fundamentalmente refeita e repensada, mesmo na luta contra corrupção ou regeneração internas.[6]

Além desta visão crítica sobre a inclinação política para a direita norte-americana da Escola de Chicago, a CLS posicionou-se contra os teóricos da Law & Economics que alegavam haver um critério alternativo de bem-estar que iria ajudar o Judiciário a decidir casos concretos. Este critério de bem-estar, conforme exposto em tópico anterior, pode ser descrito como regras de maximização da riqueza, ou regras as quais os benefícios compensariam os custos, ou ainda regras que iriam ajudar os beneficiários suficientemente para que eles pudessem compensar a parte perdedora ao ponto de ser indeferente ao status quo ante e o novo regime enquanto ambas as partes se favoreceriam do novo regime (eficiência de Kaldor-Hicks; eficiência potencial de Pareto), sendo esta análise de custos-e-benefícios utilizada pela admistração de Reagen nos Estados Unidos[7].


A reinvindicação da Critical Legal Studies é de que absolutamente não há como falar de forma politicamente neutra e coerente sobre quando uma decisão é potencialmente Pareto-eficiente, maximizadora da riqueza, ou quando seus benefícios superam os custos.


Neste sentido, Duncan Kennedy, da Universidade de Harvard, escreveu um esclarecedor artigo entitulado Law and Economics from the perspective of Critical Legal Studies, no qual tece críticas pontuais à doutrina de Chicago em três aspectos: (i) a proposta de que as cortes adotem a eficiência como critério de decisão entre diferentes regras legais possíveis é uma ideia ruim, praticamente inviável, incoerente em seus próprios termos, e é tão aberta para a alternação da manipulação ideológica liberal ou conservadora quanto o sistema formal que deveria substituir; (ii) quando se interpreta a análise da Law & Economics como uma tentativa de desenvolver um código eficiente de regras privadas que definam um mercado livre, deixando questões distributivas para impostos e transferências, enfrenta-se o problema de que o resultado de uma série de análises de equilíbrio parciais ser radicalmente dependente da forma que é conduzida, enquanto que uma solução de equilíbrio geral regulando todas as regras de uma vez irá produzir múltiplas soluções; (iii) uma compreensão mais sofisticada da relevância da teoria neoclássica micro-econômica para a criação de regras jurídicas mina a tendência política, compartilhada por economistas liberais e conservadores, de que deve-se evitar tentar redistribuir a riqueza, a renda e o poder social ao reconfigurar as regras fundamentais de propriedade e contrato que definem um “mercado livre”, e manter, ao invés, apenas as receitas derivadas do Estado.[8]


Portanto, por mais que a Law & Economics e a Critical Legal Studies possam ser vistas como continuadores da tradição realista americana em sua crítica ao formalismo, as diferenças polarizam-se, segundo Alejandro Alvarez, também nas concepções acerca da natureza do direito e da conduta humana e na crítica ao modelo dominante de teoria e ensino do direito:

Enquanto para a Law & Economics os indivíduos são criaturas racionais que se comportam tentando maximizar seus interesses em todos os âmbitos e facetas da vida, razão porque na perspectiva econômica o direito é um conjunto de incentivos que premia as condutas eficientes e penaliza as ineficientes, para o Critical Legal Studies a conduta econômica racional depende de uma visão ideológica determinada que permita justificar e explicar as desvantagens e privilégios existentes como se fossem fruto da escolha racional privada. Por um lado, a CLS também sustenta que o pensamento tradicional desempenha uma função ideológica que contribui para criar e legitimar as desigualdades econômicas e sociais e que as decisões jurídicas e a mesma teoria jurídica tradicional são indeterminadas, não existindo base objetiva que as justifique, razão porque a neutralidade é um mito. Por outro, a L&E reconhece a imperfeição do pensamento jurídico tradicional, tanto no referente aos objetivos como métodos de estudo, mas, diferentemente da CLS, sustenta que as análises e justificações doutrinárias podem ser completadas pela análise econômica, para conseguir maior objetividade e precisão na tomada de decisões.[9]

Sem o objetivo de exaurirmos a conceituação do Critical Legal Studies[10], cumpre-se destacar que a maior herança deixada por este movimento acadêmico dos anos 80 é a visão do direito como política, nos remetendo à análise estruturalista de Foucault, a qual utilizaremos, em parte, para a análise do fenômeno das recentes reformas do Judiciário com base nas diretrizes implementadas pelo Banco Mundial, de viés liberal e com influência da Law & Economics, como constatado por Kennedy[11].


No mais, a interdisplinaridade entre direito e economia é visível nesta Escola, sem se limitar somente a estas disciplinas. A Critical Legal Studies, de fato, utilizou-se de conceitos jurídicos, econômicos, sociológicos, filosóficos e partiu da desconstrução niilista da ciência, atentando para as relações de poder e política do estruturalismo francês, e da dialética do marxismo europeu ocidental para a construção de um movimento intelectual que tinha como objetivo a radicalização da crítica à indeterminação, o enfoque das discussões sobre as consequências distributivas e a identidade da interpretação jurídica, bem como o desenvolvimento de uma teoria sobre a maneira em que a política influi sobre o direito, sem reduzir o direito à política.



[1] “As an intellectual movement, CLS represents a rich, albeit diverse, set of views and theoretical approaches for understanding the nature of law and adjudication in the modern era. Critical legal studies offers a distinctive and progressive form of jurisprudence developed from eclectic intellectual sources. The writing of this movement is “critical” because it is consciously associated with the counterculture and the new-left politics of the 1960s. The critical legal studies movement has advanced its intellectual projects by rediscovering the political potential of a political critique of law presented by the radical strand of legal realism, which remained dormant after the 1930s.” MINDA, Gary. Postmodern legal movements: law and jurisprudence at century’s end. New York: New York University Press, 1995, p. 110.

[2] Ibidem, p. 111.

[3] “The major theme in CLS analysis of law and economics, which is closely parallel to the major theme in CLS analysis of law more generally, can be readily summarized: law and economics, though typically couched as an apolitical, technical exercise, is in fact an intensely political project. Arguments in law and economics both rely upon and themselves embody controversial political judgements. Law and economics argument, like legal argument, is ideological; both genres are structured by intractable though not immutable political contradictions. The dream of a meaningful technical efficiency discourse purged of political contradiction is a chimerical nightmare, both because it is false and because adherence to it tends to move political argument rightward to a band between pragmatic, technocratic centrism and free-market libertarianism”. WAYNE, Eastman. Critical Legal Studies. In: BOUCKAERT, Boudewijn; DE GEEST, Gerrit. op. cit., p. 756.

[4] “The critical legal studies movement has undermined the central ideas of modern legal thought and put another conception of law in their place. This conception implies a view of society and informs a practice of politics.” UNGER, Roberto M. The Critical Legal Studies movement. Cambridge: Harvard University Press, 1983, p. 1.

[5] “The law and economics school has invoked practical requirements (with normative implications) that supposedly underlie the legal system and its history; the rights and principles school, moral imperatives allegedly located within the legal order itself. The law and economics school has chiefly served the political right; the rights and principles school, the liberal center. But both theoretical tendencies can best be understood as efforts to recover the objectivist and formalist position. It is as restatements of objectivism and formalism that we have rejected them.” Ibidem, p. 12.

[6] GODOY, Arnaldo S. M. Direito & Utopia em Roberto Mangabeira Unger. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 207.

[7] KELMAN, Mark. A guide to Critical Legal Studies. Cambridge: Harvard University Press, 1996, p. 141-142.

[8] KENNEDY, Duncan. Law and Economics from the perspective of Critical Legal Studies. In: NEWMAN, Peter. The New Palgrave Dictionary of Economics and the Law. New York: Palgrave Macmillan, 1998, p. 465-466.

[9] ALVAREZ, Alejandro. Análise econômica do direito: contribuições e desmistificações. Direito, Estado e Sociedade, v. 9, n. 29, jul/dez. 2006, p. 50-51.

[10] Para uma análise geral do movimento e sobre a obra de Roberto Unger, Cf.: GODOY, Arnaldo. O critical legal studies movement de Roberto Mangabeira Unger. Revista Jurídica. Brasília, v. 8, n. 82, p. 49-63, dez/jan., 2007.

[11] “El análisis económico del Derecho tiene muy poca influencia fuera de los Estados Unidos, con la excepción de que es parte de las políticas de ajustes estructurales neoliberales promovidas por instituciones financieras internacionales para imponer estructuras económicas específicas em países del Tercer Mundo”. Cf.: KENNEDY, Duncan. La controversia política es parte del razonamiento jurídico. Themis- Revista de Derecho, n. 50, 2004, p. 324.



A dimensão institucional no julgamento de Recursos Especiais Repetitivos.

O fenômeno do precedente judicial hoje se mostra presente nos mais diversos ordenamentos jurídicos, ocorrendo nas mais variadas formas a depender das particularidades do sistema observado.
Tendo isso em vista, Michele de Taruffo, doutrinador italiano, se propôs a apresentar uma teoria que pudesse englobar de melhor maneira o precedente judicial, analisando suas dimensões e interações destas, quando a doutrina basicamente apresentava o precedente judicial a partir de uma análise simplista, limitada a tratar do que seria ratio decidendi e obiter dictum ou ainda a força vinculante ou persuasiva.
A interseção das quatro dimensões, institucional, objetiva, estrutural e da eficácia apresentadas por Taruffo visam analisar o modus operandi do precedente em um determinado ordenamento jurídico, permitindo que se formule uma definição do que seria o precedente naquele ordenamento
Na dimensão institucional está ligada à relação hierárquica desenvolvida entre os tribunais de uma organização judiciária, apresentando-se o precedente judicial como um fenômeno reflexo, mais ou menos transparente ou acentuado.
Esta relação entre as cortes, pode ser observada entre tribunal superior e um inferior, vertical; entre tribunais de mesmo nível hierárquico, horizontal; ou ainda de um Tribunal e seus próprios precedentes, autoprecedente. Para ilustrar essas relações Michele Taruffo idealiza uma pirâmide na qual se posiciona no vértice as cortes superiores e na base os juízos de primeiro grau.
Na dimensão vertical, as cortes inferiores se utilizam dos precedentes julgados elas cortes que estão em nível superior, sejam de órgãos superiores colegiados ou da corte suprema. Com isto, as cortes localizadas no vértice da pirâmide teriam um maior grau de autoridade e respeitabilidade em relação as cortes hierarquicamente inferiores.
Na dimensão horizontal, as cortes, ou juízos relacionados estão na mesma linha de hierarquia na pirâmide proposta por Michele Taruffo, de modo que um juiz faz referência à decisão de outro juiz de mesmo nível. Assim, como não há essa relação de autoridade hierárquica, a decisão referida terá valor apenas de “exemplo”, ou meramente persuasivo, excluindo-se a idéia de vinculação.
O autoprecedente ocorre quando se verifica uma corte seguindo seus próprios precedentes. Neste ponto, devem-se realizar algumas considerações para que se chegue aos fundamentos apresentados pela divergência quanto a obrigatoriedade ou não dos juízos seguirem seus precedentes.
A inserção do Recurso Especial Repetitivo através do art. 543-C do Código de Processo Civil é um dos sinais da aplicação do precedente judicial no ordenamento brasileiro, e na dimensão institucional, de hierarquia proposta por Michele Taruffo nos cumpre analisar o papel exercido do STJ.
A tentativa de diminuir o potencial do número de recursos nos remete à década de 60, quando a análise de questões de nível federal e constitucional era atribuição exclusiva do Supremo Tribunal Federal, o que gerou uma necessidade de desafogar aquele tribunal, surgindo como resposta a criação do Superior Tribunal de Justiça, que também não demorou a sentir os efeitos da crise.
O STJ foi criado para desafogar o STF, tendo competência para julgamento do recurso especial, a fim de exercer o novo tribunal sua função de uniformização e garantia do direito federal, zelando pela correta aplicação da lei nas decisões judiciais .
No entanto, não demorou muito para que a crise assolasse o STJ, o que juntamente com a ramificação das cortes estaduais, gerou uma sobrecarga de processos para julgamento, e o desencontro de orientações jurisprudenciais entre as cortes. Isso acabou prejudicando o papel de corte Superior do STJ, transformando-o em um tribunal de terceira instância ordinária.
Buscando resgatar sua identidade, bem como para cumprir sua função nomofilácica, uniformizando o ordenamento federal, inseriu-se no Código de Processo Civil o art. 543-C, para julgamento de recursos repetitivos no âmbito do STJ.
Partindo-se desta tentativa de firmar-se como Corte Precedente, resgatando sua função nomofilácica, tem-se que os os objetivos almejados pelo novo dispositivo, observando a dimensão horizontal do precedente judicial no recurso especial repetitivo, mostra que a vinculação do STJ às suas próprias orientações é uma exigência que decorre da sua própria natureza e função, zelando pela segurança jurídica do nosso ordenamento. Mesmo porque, o instituto do recurso repetitivo nessa esfera foi concebido para evitar o grande número de re-julgamento das matérias repetidas que desaguavam na Corte.

“Uma vez pacificada a questão, os recursos não devem mais passar da segunda instância, o que deverá contribuir para a redução do número em trâmite no STJ” (Ministra Nancy Andrigui. Em tempo recorde, STJ publica primeiro acórdão relativo a recursos repetitivos. STJ, 28/09/2008.)

Considerando ainda a direção horizontal da dimensão institucional do precedente no Recurso Especial Repetitivo, deve-se observar a relação entre a composição orgânica do STJ com competência para julgamento. E neste ponto, também dentre as turmas julgadoras e corte especial deve haver efetiva vinculação à orientação já firmada em recurso repetitivo decidido por outra turma ou pela corte.
Assim, existindo um recurso especial repetitivo que tenha como objeto as matérias XYZ julgadas pela 4ª Turma, e outro especial repetitivo com objeto as matérias X, Y’ na 3ª Turma, deve esta julgar a questão X em conformidade ao que já foi decidido pela 4ª turma, considerando apenas a questão central da matéria que não fora pela primeira decidida, neste caso, a 3ª Turma estaria autorizada a julgar especificamente a peculiaridade ’ da matéria Y.
Já na direção vertical, observa-se a relação hierárquica entre o STJ e às cortes inferiores, TJs estaduais e TRFs. A respeito, muito se tentou instituir a vinculação obrigatória a exemplo da súmula vinculante, entretanto, optou o legislador pela não vinculação obrigatória da corte inferior a orientação paradigma firmada em julgamento pelo art. 543-C.
Nesta esfera verifica-se que muito se tentou atribuir vinculação obrigatória a exemplo da súmula vinculante à decisão paradigma, como propôs o Senador Flexa em suas propostas de alteração ao projeto de lei, mas que, no entanto, optou o legislador pela não vinculação obrigatória da corte inferior a orientação paradigma firmada em julgamento pelo art. 543-C, expondo a este respeito que o instituto não teria o alcance da Súmula Vinculante, mas se propunha apenas a criar o procedimento para julgar matérias repetitivas no âmbitodo STJ, podendo o Tribunal de origem divergir do STJ, ressaltando ainda que a súmula vinculante é prerrogativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal, prevista no art. 113 – A da Constituição Federal.
Neste caso, permitiu-se que sobrevindo julgamento do STJ, possa o relator dos Tribunais estaduais ou TRFs retratar a decisão recorrida que esteja em desconformidade com a nova orientação firmada pela corte superior, ou exercer exame de admissibilidade ao recurso especial sobrestado.
No entanto, o que se tem verificado é um forte movimento dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça em favor de uma vinculação exercida indiretamente, através da persuasão que refletiria efeito vinculante em sentido forte, o quem vêm realizando através de suas declarações, posicionamentos acerca do instituto, ou em suas decisões.
Neste sentido, cite-se, por exemplo as declarações da Ministra Nancy Andrigui acerca do julgamento do primeiro recurso repetitivo, na qual salientou que “apesar de a lei não conferir ao STJ força vinculante, a partir da uniformização da jurisprudência, os tribunais estaduais e regionais federais, passarão a seguir as orientações firmadas”, uma vez que não havendo retratação, o recurso especial será enviado ao Superior Tribunal de Justiça e assim “suas decisões provavelmente serão revertidas em sede de recurso especial ” (grifo nosso), e ainda a manifestação do Ministro Luiz Flux, que defende a adoção de uma ferramenta nos moldes da Súmula Vinculante, como há para o Supremo Tribunal Federal, o que evitaria que subissem ao tribunal matérias já pacificadas .
Logo, muito embora a lei não atribua ao STJ força vinculante obrigatória, a tendência é que o efeito se dê pela via indireta, pois a partir da uniformização da jurisprudência, os tribunais estaduais e regionais federais na prática passarão a seguir as orientações.
A determinação de sobrestamento dos demais recursos especiais até o julgamento final do recurso paradigma, também demonstra a vinculação destes recursos sobrestados, uma vez que salvo a hipótese de sobrestamento indevido, não está autorizado o julgador a proferir decisão antes da orientação da Corte Superior.
A alquimia é a mesma da repercussão geral prevista no art. 543-B do CPC, com variação dos elementos da fórmula, e se destina a reunir e sobrestar na origem recursos especiais quando conexos em relação à matéria, subindo ao STJ apenas um ou alguns representativos da controvérsia, e que ensejarão efeito vinculante ou parâmetro ao julgamento dos sobrestados.


Acerca disso ressalte-se inclusive o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de desistência do recurso especial selecionado como paradigma, que também demonstra essa tendência à vinculação por via indireta, entendendo assim, que:

as partes não podem desistir do recurso especial depois de ele ter sido afetado para julgamento por meio da Lei de Recursos Repetitivos, instruído e colocado na pauta do tribunal.

[...] as partes não têm legitimidade para discutir algo como "a aplicação da lei em tese", ou seja, acerca de quais seriam as aplicações que, em princípio, uma lei teria para além do caso.

Deste modo, tem-se que diante da forte movimentação e orientação declaradas pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, o precedente judicial no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos, encontra-se na classificação de precedentes com eficácia erga omnes, mas que não têm o condão da vinculatividade, carecendo de efeito vinculante em razão de falta de previsão legal, a exemplo do que ocorreu com a Súmula Vinculante, através da EC nº 45/2004, mas que a tendência pela atribuição do efeito vinculante se mostra agora na proposta de um Novo Código de Processo Civil.
A esse respeito é importante ressaltar que o novo CPC parece querer resgatar essa busca e atribuir de vez a vinculação obrigatória ao julgamento de recursos repetitivos, mudança que está sendo discutida pela Comissão de Revisão do CPC, criada pelo Senado Federal.
Desse modo, assim como já nos advertia Michele Taruffo, a dimensão institucional do precedente judicial mostrará a relação hierárquica entre as cortes de um ordenamento jurídico, apresentando-se de maneira mais acentuada ou tênue a depender das peculiaridades e fatores que lhe influenciam. No ordenamento brasileiro, a princípio, não há vinculação obrigatória no julgamento dos recursos especiais repetitivos, entretanto, não nos parece que nosso ordenamento tenha já assentado as características na dimensão institucional, no que concerne à vinculação dessa proposta de precedente judicial brasileiro.



A partir das diretrizes interdisciplinares implementadas pelo Reitor Aaron Director, bem como da análise dos custos de transação lançada pelo economista Ronald Coase, o então jovem professor Richard Posner consolidou no início da década de setenta o que hoje é chamado de Law & Economics ou Escola de Chicago, com o lançamento da obra Economic Analysis of Law (1973)[1]. Nesta obra, Posner sintetizou o que seria o movimento Law & Economics (Análise Econômica do Direito) na Universidade de Chicago.


Para Fabiano de Rezende Lara, a L&E tinha como pressuposto “a ideia de que o direito é instrumento para conseguir fins sociais, sendo que o fim a conseguir é o da eficiência econômica”[2].


Numa análise melhor desenvolvida, Mercuro e Medema apontam que a característica que define a abordagem da Escola de Chicago é a aplicação de análise micro-econômica (preço-teórica) no direito, partindo de três premissas: (1) os indivíduos são maximizadores racionais de suas satisfações em comportamentos fora do mercado, bem como no mercado; (2) os indivíduos respondem aos incentivos de preços no comportamento de mercado e fora do mercado; (3) regras e ações jurídicas podem ser avaliadas com base na eficiência, ao ponto que as decisões judiciais devem promover a eficiência[3].


De fato, para Richard Posner, a economia é ferramenta fundamental para analisar questões que os juristas não conseguem conectar com problemas concretos. Considerando a economia como ciência das escolhas racionais, orientada pelo conceito de alocação de recursos escassos, o homem seria um maximizador de utilização racional:

A premissa básica da economia que guia a versão da análise econômica do direto que apresento é que as pessoas são maximizadoras racionais de suas satisfações – todas as pessoas (com exceção de crianças pequenas e os mentalmente retardados) em todas as suas atividades (exceto sob a influência de psicose ou desarranjos mentais ocasionados por uso de drogas ou abuso de álcool) que envolvem escolha.[4]

A partir de tal premissa econômico-utilitarista, Richard Posner afirma que os legisladores também são maximizadores racionais que objetivam a manutenção de seus cargos com re-eleições. Para tanto, elaboram leis que nada mais são do que “acordos” (deals) firmados com grupos de interesse organizados da sociedade civil, em troca de apoio político[5].


Entretanto, a legislação no sistema anglo-americano não é auto-aplicável, dependendo da interpretação e aplicação dos Tribunais. Os juízes, neste viés, teriam um duplo papel: interpretar os acordos dos grupos de interesses incorporados pela legislação e garantir o serviço público básico de resolução autoritária de conflitos. Neste último papel, não apenas decidindo casos de acordo com normas pré-existentes, mas também elaborando estas normas[6].


A partir desta teoria de maximização racional, Arnaldo Godoy nos aponta um dos fundamentos conceituais de Posner e da Escola de Chicago:

Para o movimento direito e economia a base para a decisão de um juiz deve ser a relação custo-benefício. O direito só é perspectivo quando promove a maximização das relações econômicas. A maximização da riqueza (wealth maximization) deve orientar a atuação do magistrado.[7]

Portanto, Posner considera a hipótese da evolução da common law americana no sentido da eficiência como expressão jurídica de um sistema social voltado à maximização da riqueza da sociedade. O sistema norte-americano refletiria para Posner, nas palavras do Professor Bruno Salama (FGV-São Paulo), “um arcabouço jurídico que permitiria que o sistema econômico fosse cada vez mais próximo dos resultados que um mercado com competição perfeita proporcionaria”[8].


Assim, retomando a teoria econômica coaseana, Posner defende que ao direito compete a promoção da eficiência, minizando os custos de transação ao definir claramente os direitos de propriedade, criando também soluções baratas e efetivas quando houver o descumprimento de um contrato[9].


Isto implica dizer que a concepção de justiça eficientista de Posner está ligada à ideia de que o critério para avaliar as instituições, incluindo o Judiciário, é a maximização da riqueza da sociedade. Regras jurídicas e decisões judiciais que promovam a maximização da riqueza seriam justas. As que não promovessem, seriam injustas.


Tal tese pode-nos parecer absurda ou, ao menos, radical. Entretanto, esta foi a teoria de justiça defendida por Richard Posner na primeira fase de sua carreira jurídica, sintetizada nas obras Economic Analisys of Law (1973) e Economics of Justice (1981), caracterizando o movimento Law & Economics da Escola de Chicago, o qual foi amplamente aceito nos Estados Unidos a partir da década de 80, propagando-se para a Europa na década de 90 e, recentemente, no Brasil, em especial nos cursos de pós-graduação.


Richard Posner ganhou notoriedade na academia norte-americana, mas foi alvo de duras críticas por parte de alguns jusfilósofosos, como Duncan Kennedy e Ronald Dworkin, ambos de Harvard. Este último, argumentou ser a maximização da riqueza não atraente e incoerente como norma ética e que suas falhas normativas geravam incertezas sobre sua validade como hipótese positiva ou descritiva[10].


Não obstante as críticas no âmbito científico, em razão do prestígio da Escola de Chicago no início da década de 80 e por motivos políticos em adotar tal teoria jurídica liberal, Posner foi nomeado pelo Presidente Ronald Reagan para assumir a posição de Juiz na United States Court of Appeals for the Seventh Circuit no final de 1981, subindo ao cargo de Chief Judge no ano de 1993. Talvez aí resida um dos motivos da disseminação da análise econômica do direito nos Estados Unidos. Posner não era somente um acadêmico que defendia a análise econômica do direito, mas aplicava tais teorias em suas razões de decidir como Juiz, ao passo que publicava inúmeras obras defendendo tal visão do direito.


Uma vez proposto e aceito o paradigma da análise interdisciplinar entre direito e economia na visão pragmática e utilitarista da Escola de Chicago e da teoria da justiça pela eficiência de Richard Posner, adveio a fase que Mackaay classifica como “paradigma questionado”, no qual surgiram as críticas ao pensamento posneriano e à análise econômica do direito não só nos Estados Unidos, mas na própria Europa Ocidental[11].


Na Universidade de Harvard, os trabalhos de Duncan Kennedy e Roberto Mangabeira Unger questionaram de forma crítica os trabalhos da Escola de Chicago, mantendo fortes ligações com o realismo jurídico de Oliver Wendell Holmes, a sociologia jurídica de Roscoe Pound, o marxismo ocidental de Max Horkheimer e Theodor Adorno, e o estruturalismo francês de Michel Foucault.



[1] O livro foi lançado no ano de 1973 como text-book para ser utilizado pelos alunos do curso de Law & Economics da Universidade de Chicago e é considerado um marco na análise econômica do direito. O trabalho, com mais de quatrocentas páginas, divide-se em sete partes, abordando temas como a natureza da argumentação jurídica econômica (economic legal reasoning), a ligação da common law com a eficiência, a regulação do mercado pelo Estado com medidas antitruste, o direito das empresas e dos mercados financeiros, a distribuição das riquezas e da arrecadação tributária, o processo legal americano e a proteção constitucional à economia de mercado livre. Cf.: POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. 6. ed. New York: Aspen, 2003.

[2] LARA, Fabiano T. R. Análise econômica do direito como método e disciplina. Revista e-civitas. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, 2008, p. 10.

[3] MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven. op. cit., p. 57.

[4] “The basic assumption of economics that guides the version of economic analysis of law that I shall be presenting is that people are rational maximizers of their satisfactions – all people (with the exception of small children and the profoundly retarded) in all of their activities (except when under the influence of psychosis or similarly deranged through drug or alcohol abuse) that involve choice”. POSNER, Richard. The problems of Jurisprudence. Chicago: Chicago University Press, p. 353.

[5] Ibidem, p. 354.

[6] Ibidem, p. 356.

[7] GODOY, Arnaldo. Direito e Economia: Introdução ao movimento Law and Economics. Revista Jurídica, Brasília, v. 7, n. 73, jun/jul, 2005, p. 4.

[8] SALAMA, Bruno. Direito, Justiça e Eficiência: A Perspectiva de Richard Posner. Fundação Getúlio Vargas. Direito GV, São Paulo, Aug, 2008, p. 4. Disponível em: http://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/30 Acesso em: 12 Mai. 2010.

[9] POSNER, Richard. El Análisis Econónimo del Derecho en el Common Law, en el sistema romano-germánico, y en las naciones en desarrollo – trad. Enrique Pasquel. Revista de Economía y Derecho, v. 2, nº. 7, Invierno, 2005, p. 9.

[10] Dworkin argumenta que a vontade de pagar por um item não é somente determinada pela preferência pelo item, mas também pela capacidade para pagar. Assim, um item escasso poderia acabar nas mãos de um homem rico, que mal precisa de tal item, ao invés de uma pobre pessoa que desesperadamente o necessita, mas simplesmente não pode pagar a mesma quantia. Esta situação está de acordo com o princípios da maximização de riqueza (pois a venda para o homem mais rico geraria mais riqueza para a sociedade), entretanto a utilidade total não é maximizada. Em segundo lugar, a maximização da riqueza pode levar à consequências que podem ser consideradas como injustas. É o caso do exemplo mencionado, mas também pode ser injusta em casos em que a utilidade total é maximizada, mas dividida de forma desigual. Em terceiro lugar, Dworkin argumenta que o princípio da maximização da riqueza interfere somente na autonomia individual enquanto fosse garantida por direitos individuais. Ele menciona o caso em que A coloca um valor mais alto à um item do que o proprietário B faz. Um ditador benevolente iria então maximizar a riqueza ao retirar da posse de B o item, passando para A. Para a análise completa da crítica de Dworkin à Posner, Cf.: DWORKIN, Ronald. Is Wealth a Value? Journal of Legal Studies, v.9, 191, 1980.

[11] Friedrich August von Hayek, um dos maiores representantes da Escola Austríaca, defendeu que a common law deveria ser um sistema de “ordem espontânea”, ou seja, que o sistema jurídico produzido pela gradual interação entre os tribunais e os casos funcionaria melhor que um sistema legal planejado. Hayek criticou a visão de Posner, que conceituava a common law como uma coleção de discrepantes regras. Quanto à função normativa do direito na sociedade, Posner defendia que os Juízes deveriam conscientemente utilitzar do direito para designar objetivos sociais com base na maximização da riqueza, enquanto que Hayek, ao contrário, defendia que a função do direito era criar condições necessárias para a manutenção da ordem espontânea da sociedade, incluindo a ordem espontânea da própria common law. Cf.: ZYWICKI, Todd. Posner, Hayek & The Economic Analisys of Law. Iowa Law Review, Vol. 93, No. 2, pp. 559-603, Fev. 2008; George Mason Law & Economics Research Paper No. 07-05.


Escrito por Rafael Zanatta, graduando em Direito pela Universidade Estadual de Maringá



* Elaborado por Rafael Zanatta

1. BREVE INTRODUÇÃO

Neil MacCormick (1941-2009), um dos maiores jusfilósofos britânicos, professor de Ciência Jurídica (Jurisprudence) da Universidade de Ediburgo na Escócia, publicou em 1994 o artigo entitulado Four Quadrants of Jurisprudence, no qual propôs, dentro da Teoria do Direito da Common Law, uma divisão do pensamento jurídico em quatro campos: direito cru, direito doutrinário, direito nas ciências sociais e valores fundamentais e princípios.


Nesta perspectiva, MacCormick oferente um plano meta-teórico, que deve ser compreendido dentro do ordenamento jurídico britânico, a partir da perspectiva do direito feito pelos tribunais (judge-made-law) e do direito casuístico (case law), conceitos estes extremamente estranhos ao sistema româno-germânico brasileiro, que tem como fonte primária do direito a lei e não o precedente judicial.


Não obstante as diferenças do direito inglês e do direito pátrio, a abordagem metodológica da ciência jurídica é relevante ao examinar o direito a partir de diferentes perspectivas e propor uma teoria reconstrutiva de análise do direito com base nas decisões judiciais, seguindo a tradição da common law.


Tal análise atenta para a inter-relação teórico-prática do direito. Neste viés, nos é interessante analisar a metodologia de MacCormick, em razão da gradual superação da dogmática jurídica nas universidades de direito do Brasil. De fato, é preciso uma abordagem mais realista, levando em conta o ativismo judicial brasileiro e o direito como experiência.


2. OS QUATRO QUADRANTES DE MACCORMICK


MacCormick nos apresenta o seguinte quadro:

Fonte: MACCORMICK (1994)[1]


O “Direito Cru” (Quadrante 1) descreve o leque de atividades relacionadas ao direito que juristas e pessoas envolvidas na área jurídica praticam diariamente em suas vidas. De acordo com MacCormick, ele compreende, de um lado, descrições do que os bacharéis laboram em seus escritórios, o que os advogados pleiteam perante as cortes e o que os juízes fazem quando determinam o resultado de um caso e, por outro lado, leva em conta o que o corpo legislativo cria, o que o parlamento aprova e os burocratas (e outros) implementam. Ele também inclui o que os cidadãos fazem quando preenchem formulários de taxas públicas, recebem seguro, pagam financiamento habitacional ou aluguel, compram bens de consumo, etc. MacCormick contrasta esse “Direito Cru” com o “relativamente ordenado e sistemático significado do direito” que os estudantes são ensinados nas universidades. Desta forma, o “Direito Cru” é relacionado com o “Direito em Ação” e não tão somente com o “Direito dos Livros”.


O “Direito Doutrinário” ou Dogmática Jurídica (Quadrante 2) tenta gerar algum sentido das decisões que são imputadas ao direito cru, ao analisá-las “por dentro”, ou seja, a partir da perspectiva dos atores jurídicos. Ela é desenvolvida por juízes (durante a justificação de suas decisões) e legisladores (durante a formulação de leis), e por juristas que se engajam criticamente com decisões judiciais e com a lógica subjacente às decisões jurídicas; idenficam as regras jurídicas, normas e valores; e analisam seu papel na formulação do direito casuístico e na promulgação do direito estatutário. O “Direito Doutrinário” procura dar conta do direito em seus próprios termos.


O “Direito nas Ciências Sociais” (Quadrante 3) envolve analisar “O Direito”, o que compreende o Direito Doutrinário (Quadrante 2), bem como o Direito Cru (Quadrante 1), assim como as instituições legais, a partir da perspectiva de uma ou mais ciências sociais. Instituições legais, a as práticas desenvolvidas por elas, são estudadas da mesma forma que outras instituições sociais. Em contraste ao Direito Doutrinário, examinar o direito desta perspectiva envolve analisar o direito “por fora”, ou seja, a partir de um ponto externo de referência. “Direito nas Ciências Sociais” cobre as atividades de teóricos sociais e pesquisadores sociais empíricos, em suas tentativas de entender a relação de duas vias entre direito e sociedade, ou seja, como a sociedade dá forma ao direito e o impacto do direito à sociedade.


O “Valores Fundamentais e Princípios” (Quadrante 4) compreende a Filosofia do Direito e, entre outras, a elaboração crítica de teorias dos direitos, princípios de justiça e conceitos de bem-estar social e suas aplicações ao Direito Cru (Quadrante 1) e Direito Doutrinário (Quadrante 2). Apesar de nenhum dos outros quadrantes ser classificado como livre de valores, este quadrante é essencialmente o campo dos valores. O quadrante “Valores Fundamentais e Princípios” envolve a ciência jurícica e a Teoria do Direito e busca explorar a relação entre o direito e princípios filosóficos.


3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM DE MACCORMICK


A partir desta divisão, constata-se que o direito cru, compreendido como atividade (law-as-activity), fenômeno (law-as-phenomenon) e produto da experiência (law-as-lived), é composto pelo material ainda não analisado teoricamente.


A divisão serve ao propósito da atividade reconstrutiva, pois o direito cru atua como pressuposto teórico para a transformação e sistematização do material bruto pela doutrina jurídica (doctrinal law), sendo irrelevante se o mesmo se efetiva ou não na prática.


A utilização dos quadrantes é essencial para o método de reconstrução racional proposto por Neil MacCormick, que possibilita ao teórico do direito confrontar os dados fragmentários, capturados pela consciência, e reinterpretá-los à luz de princípios e valores considerados relevantes pelo teórico com o objetivo de promover uma aproximação racional, sistemática e coerente do fenômeno jurídico.


Para MacCormick fica clara a importância com que princípios e valores concorrem para a formação de uma teoria, sendo que a atividade acadêmica não é, e nem pode aspirar a ser, um empreendimento moralmente neutro[2].


Considerando o crescente ativismo judicial no Brasil através dos Tribunais Superiores (STJ, STF) e a valorização do precedente judicial através da Súmula Vinculante e da Lei de Recursos Repetitivos, poderia-se buscar no ensino jurídico brasileiro uma reconstrução racional das decisões judiciais pré-selecionadas através do método de MacCormick, expondo a estrutura dos argumentos utilizados pelos magistrados na solução de casos concretos, facilitando assim a identificação de padrões de raciocínio e a elaboração de uma teoria a seu respeito.


Desta forma, os “quatro quadrantes da ciência jurídica” contribuiriam para a sistematização e construção de um modelo coerente de direito, utilizando-se do método de reconstrução racional para a formulação de uma teoria orientado por princípios e valores.


[1] MACCORMICK, Neil. Four quadrants of jurisprudence. In: KRAWIETZ, W. et al (eds.). Prescriptive Formality and Normative Rationality in Modern Legal Systems. Berlin: Dunker & Humblot, 1994

[2] “Values and principles enter into legal science in a crucrial way. The process of rationally reconstructing law as coherent normative order requires the formulation of governing values and principles so as to make sense of the whole and create the possibility of practical coherente in presentation and apprehension of law.” MACCORMICK, Neil. op. cit., p. 57.



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