Como movimento intelectual, o CLS representa um rico, embora diverso, leque de visões e abordagens teóricas para a compreensão da natureza do direito e das decisões judiciais na era moderna. O Critical Legal Studies oferece uma distinta e progressiva forma da teoria geral do direito, desenvolvida a partir de fontes intelectuais ecléticas. A escrita deste movimento é “crítica”, pois é conscientemente associada com a contracultura e com nova esquerda política dos anos 60. O movimento Critical Legal Studies avançou seus projetos intelectuais ao redescobrir o potencial político da crítica política do direito apresentada pela vertente radical do realismo jurídico, o qual permanecia dormente desde a década de 30.[1]
Assim, conforme Minda, o início do movimento, entre as décadas de 70 e 80, se caracterizou pela desconstrução do conceito de direito, o qual consistia, segundo a doutrina majoritária, num corpo coerente de princípios e políticas públicas que uniformizavam e racionalizavam fundamentalmente valores compartilhados. O objetivo era revelar como o direito justificava a dominação e o privilégio através dum discurso profissional abstrato, tido como neutro. Os acadêmicos do Critical Legal Studies analisavam a doutrina legal como uma série de construções ideológicas que apoiavam arranjos sociais existentes ao convencer os atores legais e cidadãos comuns que os sistemas jurídico e social eram inevitáveis e basicamente justos.[2]
Wayne Eastman aponta que o tema central da análise da Law & Economics pelos teóricos da Critical Legal Studies é a constatação de que a Escola de Chicago, apesar de estar encoberta por um discurso supostamente apolítico e técnico, é, na verdade, um projeto intensamente político, de forte caráter ideológico de direita, situando-se entre o pragmatismo, o centralismo tecnocrata e o liberalismo mercadológico[3].
Roberto Mangabeira Unger, jurista brasileiro e professor em Harvard, foi um dos pivôs do movimento. O autor escreveu em 1983 a importante obra-manifesto The Critical Legal Studies Movement, sintetizando as ideias principais deste movimento nas suas primeiras linhas:
O movimento Critical Legal Studies tem minado as ideias centrais do pensamento jurídico contemporâneo, apresentando uma nova concepção do direito em seu lugar. Esta concepção implica numa visão da sociedade e informa a existência da Política.[4]
O eixo principal desta obra é, sem dúvidas, a Política. A máxima do livro é que direito é política. A frase “law is politics”, aliás, é uma das definições básicas do movimento Critical Legal Studies, o qual analisaremos sem o propósito de exaurirmos a profundidade da produção científica desta corrente doutrinária nos Estados Unidos e na Europa.
Com relação ao Law & Economics, Roberto Unger defende que tal movimento apenas serviria ao pensamento político da direita. Para o jurista:
A Law & Economics invocou exigências da prática (com implicações normativas), que supostamente estão na base do sistema jurídico e sua história, os direitos e princípios da escola, os imperativos morais alegadamente localizados dentro do ordenamento jurídico em si. A escola Law & Economics tem servido à direita política, aos direitos e princípios da escola, e os centro-liberais. Mas ambas as tendências teóricas podem ser entendidas como esforços para recuperar a posição objetivista e formalista. É através da reformulação do objetivismo e do formalismo que nós as rejeitamos[5].
Na concepção crítica de Unger, a escola Law & Economics teria como eixo central o conceito de mercado, abstraído na ideia de maximizaçao das escolhas junto ao contexto institucional particular.
Para Arnaldo Godoy, Roberto Mangabeira Unger seria refratário ao pensamento de Posner:
Segundo Mangabeira, a noção formal e analítica de alocação de recursos e de eficiência substancializa teoria muito particular de crescimento econômico, bem como simplesmente a defesa de ordem institucional também particular. O Law & Economics radicaria no projeto científico do século XIX, do qual o liberalismo jurídico seria o expoente normativo e institucional. Juristas clássicos desenvolveram doutrinas sociais conservadoras, apresentando versão diluída da teoria social moderna, que triunfou no século XX. Para Mangabeira, essas doutrinas buscam uma fórmula canônica de vida social e de personalidade que jamais poderia ser fundamentalmente refeita e repensada, mesmo na luta contra corrupção ou regeneração internas.[6]
Além desta visão crítica sobre a inclinação política para a direita norte-americana da Escola de Chicago, a CLS posicionou-se contra os teóricos da Law & Economics que alegavam haver um critério alternativo de bem-estar que iria ajudar o Judiciário a decidir casos concretos. Este critério de bem-estar, conforme exposto em tópico anterior, pode ser descrito como regras de maximização da riqueza, ou regras as quais os benefícios compensariam os custos, ou ainda regras que iriam ajudar os beneficiários suficientemente para que eles pudessem compensar a parte perdedora ao ponto de ser indeferente ao status quo ante e o novo regime enquanto ambas as partes se favoreceriam do novo regime (eficiência de Kaldor-Hicks; eficiência potencial de Pareto), sendo esta análise de custos-e-benefícios utilizada pela admistração de Reagen nos Estados Unidos[7].
A reinvindicação da Critical Legal Studies é de que absolutamente não há como falar de forma politicamente neutra e coerente sobre quando uma decisão é potencialmente Pareto-eficiente, maximizadora da riqueza, ou quando seus benefícios superam os custos.
Neste sentido, Duncan Kennedy, da Universidade de Harvard, escreveu um esclarecedor artigo entitulado Law and Economics from the perspective of Critical Legal Studies, no qual tece críticas pontuais à doutrina de Chicago em três aspectos: (i) a proposta de que as cortes adotem a eficiência como critério de decisão entre diferentes regras legais possíveis é uma ideia ruim, praticamente inviável, incoerente em seus próprios termos, e é tão aberta para a alternação da manipulação ideológica liberal ou conservadora quanto o sistema formal que deveria substituir; (ii) quando se interpreta a análise da Law & Economics como uma tentativa de desenvolver um código eficiente de regras privadas que definam um mercado livre, deixando questões distributivas para impostos e transferências, enfrenta-se o problema de que o resultado de uma série de análises de equilíbrio parciais ser radicalmente dependente da forma que é conduzida, enquanto que uma solução de equilíbrio geral regulando todas as regras de uma vez irá produzir múltiplas soluções; (iii) uma compreensão mais sofisticada da relevância da teoria neoclássica micro-econômica para a criação de regras jurídicas mina a tendência política, compartilhada por economistas liberais e conservadores, de que deve-se evitar tentar redistribuir a riqueza, a renda e o poder social ao reconfigurar as regras fundamentais de propriedade e contrato que definem um “mercado livre”, e manter, ao invés, apenas as receitas derivadas do Estado.[8]
Portanto, por mais que a Law & Economics e a Critical Legal Studies possam ser vistas como continuadores da tradição realista americana em sua crítica ao formalismo, as diferenças polarizam-se, segundo Alejandro Alvarez, também nas concepções acerca da natureza do direito e da conduta humana e na crítica ao modelo dominante de teoria e ensino do direito:
Enquanto para a Law & Economics os indivíduos são criaturas racionais que se comportam tentando maximizar seus interesses em todos os âmbitos e facetas da vida, razão porque na perspectiva econômica o direito é um conjunto de incentivos que premia as condutas eficientes e penaliza as ineficientes, para o Critical Legal Studies a conduta econômica racional depende de uma visão ideológica determinada que permita justificar e explicar as desvantagens e privilégios existentes como se fossem fruto da escolha racional privada. Por um lado, a CLS também sustenta que o pensamento tradicional desempenha uma função ideológica que contribui para criar e legitimar as desigualdades econômicas e sociais e que as decisões jurídicas e a mesma teoria jurídica tradicional são indeterminadas, não existindo base objetiva que as justifique, razão porque a neutralidade é um mito. Por outro, a L&E reconhece a imperfeição do pensamento jurídico tradicional, tanto no referente aos objetivos como métodos de estudo, mas, diferentemente da CLS, sustenta que as análises e justificações doutrinárias podem ser completadas pela análise econômica, para conseguir maior objetividade e precisão na tomada de decisões.[9]
Sem o objetivo de exaurirmos a conceituação do Critical Legal Studies[10], cumpre-se destacar que a maior herança deixada por este movimento acadêmico dos anos 80 é a visão do direito como política, nos remetendo à análise estruturalista de Foucault, a qual utilizaremos, em parte, para a análise do fenômeno das recentes reformas do Judiciário com base nas diretrizes implementadas pelo Banco Mundial, de viés liberal e com influência da Law & Economics, como constatado por Kennedy[11].
No mais, a interdisplinaridade entre direito e economia é visível nesta Escola, sem se limitar somente a estas disciplinas. A Critical Legal Studies, de fato, utilizou-se de conceitos jurídicos, econômicos, sociológicos, filosóficos e partiu da desconstrução niilista da ciência, atentando para as relações de poder e política do estruturalismo francês, e da dialética do marxismo europeu ocidental para a construção de um movimento intelectual que tinha como objetivo a radicalização da crítica à indeterminação, o enfoque das discussões sobre as consequências distributivas e a identidade da interpretação jurídica, bem como o desenvolvimento de uma teoria sobre a maneira em que a política influi sobre o direito, sem reduzir o direito à política.
[1] “As an intellectual movement, CLS represents a rich, albeit diverse, set of views and theoretical approaches for understanding the nature of law and adjudication in the modern era. Critical legal studies offers a distinctive and progressive form of jurisprudence developed from eclectic intellectual sources. The writing of this movement is “critical” because it is consciously associated with the counterculture and the new-left politics of the 1960s. The critical legal studies movement has advanced its intellectual projects by rediscovering the political potential of a political critique of law presented by the radical strand of legal realism, which remained dormant after the 1930s.” MINDA, Gary. Postmodern legal movements: law and jurisprudence at century’s end. New York: New York University Press, 1995, p. 110.
[2] Ibidem, p. 111.
[3] “The major theme in CLS analysis of law and economics, which is closely parallel to the major theme in CLS analysis of law more generally, can be readily summarized: law and economics, though typically couched as an apolitical, technical exercise, is in fact an intensely political project. Arguments in law and economics both rely upon and themselves embody controversial political judgements. Law and economics argument, like legal argument, is ideological; both genres are structured by intractable though not immutable political contradictions. The dream of a meaningful technical efficiency discourse purged of political contradiction is a chimerical nightmare, both because it is false and because adherence to it tends to move political argument rightward to a band between pragmatic, technocratic centrism and free-market libertarianism”. WAYNE, Eastman. Critical Legal Studies. In: BOUCKAERT, Boudewijn; DE GEEST, Gerrit. op. cit., p. 756.
[4] “The critical legal studies movement has undermined the central ideas of modern legal thought and put another conception of law in their place. This conception implies a view of society and informs a practice of politics.” UNGER, Roberto M. The Critical Legal Studies movement. Cambridge: Harvard University Press, 1983, p. 1.
[5] “The law and economics school has invoked practical requirements (with normative implications) that supposedly underlie the legal system and its history; the rights and principles school, moral imperatives allegedly located within the legal order itself. The law and economics school has chiefly served the political right; the rights and principles school, the liberal center. But both theoretical tendencies can best be understood as efforts to recover the objectivist and formalist position. It is as restatements of objectivism and formalism that we have rejected them.” Ibidem, p. 12.
[6] GODOY, Arnaldo S. M. Direito & Utopia em Roberto Mangabeira Unger. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 207.
[7] KELMAN, Mark. A guide to Critical Legal Studies. Cambridge: Harvard University Press, 1996, p. 141-142.
[8] KENNEDY, Duncan. Law and Economics from the perspective of Critical Legal Studies. In: NEWMAN, Peter. The New Palgrave Dictionary of Economics and the Law. New York: Palgrave Macmillan, 1998, p. 465-466.
[9] ALVAREZ, Alejandro. Análise econômica do direito: contribuições e desmistificações. Direito, Estado e Sociedade, v. 9, n. 29, jul/dez. 2006, p. 50-51.
[10] Para uma análise geral do movimento e sobre a obra de Roberto Unger, Cf.: GODOY, Arnaldo. O critical legal studies movement de Roberto Mangabeira Unger. Revista Jurídica. Brasília, v. 8, n. 82, p. 49-63, dez/jan., 2007.
[11] “El análisis económico del Derecho tiene muy poca influencia fuera de los Estados Unidos, con la excepción de que es parte de las políticas de ajustes estructurales neoliberales promovidas por instituciones financieras internacionales para imponer estructuras económicas específicas em países del Tercer Mundo”. Cf.: KENNEDY, Duncan. La controversia política es parte del razonamiento jurídico. Themis- Revista de Derecho, n. 50, 2004, p. 324.