A dimensão institucional no julgamento de Recursos Especiais Repetitivos.

O fenômeno do precedente judicial hoje se mostra presente nos mais diversos ordenamentos jurídicos, ocorrendo nas mais variadas formas a depender das particularidades do sistema observado.
Tendo isso em vista, Michele de Taruffo, doutrinador italiano, se propôs a apresentar uma teoria que pudesse englobar de melhor maneira o precedente judicial, analisando suas dimensões e interações destas, quando a doutrina basicamente apresentava o precedente judicial a partir de uma análise simplista, limitada a tratar do que seria ratio decidendi e obiter dictum ou ainda a força vinculante ou persuasiva.
A interseção das quatro dimensões, institucional, objetiva, estrutural e da eficácia apresentadas por Taruffo visam analisar o modus operandi do precedente em um determinado ordenamento jurídico, permitindo que se formule uma definição do que seria o precedente naquele ordenamento
Na dimensão institucional está ligada à relação hierárquica desenvolvida entre os tribunais de uma organização judiciária, apresentando-se o precedente judicial como um fenômeno reflexo, mais ou menos transparente ou acentuado.
Esta relação entre as cortes, pode ser observada entre tribunal superior e um inferior, vertical; entre tribunais de mesmo nível hierárquico, horizontal; ou ainda de um Tribunal e seus próprios precedentes, autoprecedente. Para ilustrar essas relações Michele Taruffo idealiza uma pirâmide na qual se posiciona no vértice as cortes superiores e na base os juízos de primeiro grau.
Na dimensão vertical, as cortes inferiores se utilizam dos precedentes julgados elas cortes que estão em nível superior, sejam de órgãos superiores colegiados ou da corte suprema. Com isto, as cortes localizadas no vértice da pirâmide teriam um maior grau de autoridade e respeitabilidade em relação as cortes hierarquicamente inferiores.
Na dimensão horizontal, as cortes, ou juízos relacionados estão na mesma linha de hierarquia na pirâmide proposta por Michele Taruffo, de modo que um juiz faz referência à decisão de outro juiz de mesmo nível. Assim, como não há essa relação de autoridade hierárquica, a decisão referida terá valor apenas de “exemplo”, ou meramente persuasivo, excluindo-se a idéia de vinculação.
O autoprecedente ocorre quando se verifica uma corte seguindo seus próprios precedentes. Neste ponto, devem-se realizar algumas considerações para que se chegue aos fundamentos apresentados pela divergência quanto a obrigatoriedade ou não dos juízos seguirem seus precedentes.
A inserção do Recurso Especial Repetitivo através do art. 543-C do Código de Processo Civil é um dos sinais da aplicação do precedente judicial no ordenamento brasileiro, e na dimensão institucional, de hierarquia proposta por Michele Taruffo nos cumpre analisar o papel exercido do STJ.
A tentativa de diminuir o potencial do número de recursos nos remete à década de 60, quando a análise de questões de nível federal e constitucional era atribuição exclusiva do Supremo Tribunal Federal, o que gerou uma necessidade de desafogar aquele tribunal, surgindo como resposta a criação do Superior Tribunal de Justiça, que também não demorou a sentir os efeitos da crise.
O STJ foi criado para desafogar o STF, tendo competência para julgamento do recurso especial, a fim de exercer o novo tribunal sua função de uniformização e garantia do direito federal, zelando pela correta aplicação da lei nas decisões judiciais .
No entanto, não demorou muito para que a crise assolasse o STJ, o que juntamente com a ramificação das cortes estaduais, gerou uma sobrecarga de processos para julgamento, e o desencontro de orientações jurisprudenciais entre as cortes. Isso acabou prejudicando o papel de corte Superior do STJ, transformando-o em um tribunal de terceira instância ordinária.
Buscando resgatar sua identidade, bem como para cumprir sua função nomofilácica, uniformizando o ordenamento federal, inseriu-se no Código de Processo Civil o art. 543-C, para julgamento de recursos repetitivos no âmbito do STJ.
Partindo-se desta tentativa de firmar-se como Corte Precedente, resgatando sua função nomofilácica, tem-se que os os objetivos almejados pelo novo dispositivo, observando a dimensão horizontal do precedente judicial no recurso especial repetitivo, mostra que a vinculação do STJ às suas próprias orientações é uma exigência que decorre da sua própria natureza e função, zelando pela segurança jurídica do nosso ordenamento. Mesmo porque, o instituto do recurso repetitivo nessa esfera foi concebido para evitar o grande número de re-julgamento das matérias repetidas que desaguavam na Corte.

“Uma vez pacificada a questão, os recursos não devem mais passar da segunda instância, o que deverá contribuir para a redução do número em trâmite no STJ” (Ministra Nancy Andrigui. Em tempo recorde, STJ publica primeiro acórdão relativo a recursos repetitivos. STJ, 28/09/2008.)

Considerando ainda a direção horizontal da dimensão institucional do precedente no Recurso Especial Repetitivo, deve-se observar a relação entre a composição orgânica do STJ com competência para julgamento. E neste ponto, também dentre as turmas julgadoras e corte especial deve haver efetiva vinculação à orientação já firmada em recurso repetitivo decidido por outra turma ou pela corte.
Assim, existindo um recurso especial repetitivo que tenha como objeto as matérias XYZ julgadas pela 4ª Turma, e outro especial repetitivo com objeto as matérias X, Y’ na 3ª Turma, deve esta julgar a questão X em conformidade ao que já foi decidido pela 4ª turma, considerando apenas a questão central da matéria que não fora pela primeira decidida, neste caso, a 3ª Turma estaria autorizada a julgar especificamente a peculiaridade ’ da matéria Y.
Já na direção vertical, observa-se a relação hierárquica entre o STJ e às cortes inferiores, TJs estaduais e TRFs. A respeito, muito se tentou instituir a vinculação obrigatória a exemplo da súmula vinculante, entretanto, optou o legislador pela não vinculação obrigatória da corte inferior a orientação paradigma firmada em julgamento pelo art. 543-C.
Nesta esfera verifica-se que muito se tentou atribuir vinculação obrigatória a exemplo da súmula vinculante à decisão paradigma, como propôs o Senador Flexa em suas propostas de alteração ao projeto de lei, mas que, no entanto, optou o legislador pela não vinculação obrigatória da corte inferior a orientação paradigma firmada em julgamento pelo art. 543-C, expondo a este respeito que o instituto não teria o alcance da Súmula Vinculante, mas se propunha apenas a criar o procedimento para julgar matérias repetitivas no âmbitodo STJ, podendo o Tribunal de origem divergir do STJ, ressaltando ainda que a súmula vinculante é prerrogativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal, prevista no art. 113 – A da Constituição Federal.
Neste caso, permitiu-se que sobrevindo julgamento do STJ, possa o relator dos Tribunais estaduais ou TRFs retratar a decisão recorrida que esteja em desconformidade com a nova orientação firmada pela corte superior, ou exercer exame de admissibilidade ao recurso especial sobrestado.
No entanto, o que se tem verificado é um forte movimento dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça em favor de uma vinculação exercida indiretamente, através da persuasão que refletiria efeito vinculante em sentido forte, o quem vêm realizando através de suas declarações, posicionamentos acerca do instituto, ou em suas decisões.
Neste sentido, cite-se, por exemplo as declarações da Ministra Nancy Andrigui acerca do julgamento do primeiro recurso repetitivo, na qual salientou que “apesar de a lei não conferir ao STJ força vinculante, a partir da uniformização da jurisprudência, os tribunais estaduais e regionais federais, passarão a seguir as orientações firmadas”, uma vez que não havendo retratação, o recurso especial será enviado ao Superior Tribunal de Justiça e assim “suas decisões provavelmente serão revertidas em sede de recurso especial ” (grifo nosso), e ainda a manifestação do Ministro Luiz Flux, que defende a adoção de uma ferramenta nos moldes da Súmula Vinculante, como há para o Supremo Tribunal Federal, o que evitaria que subissem ao tribunal matérias já pacificadas .
Logo, muito embora a lei não atribua ao STJ força vinculante obrigatória, a tendência é que o efeito se dê pela via indireta, pois a partir da uniformização da jurisprudência, os tribunais estaduais e regionais federais na prática passarão a seguir as orientações.
A determinação de sobrestamento dos demais recursos especiais até o julgamento final do recurso paradigma, também demonstra a vinculação destes recursos sobrestados, uma vez que salvo a hipótese de sobrestamento indevido, não está autorizado o julgador a proferir decisão antes da orientação da Corte Superior.
A alquimia é a mesma da repercussão geral prevista no art. 543-B do CPC, com variação dos elementos da fórmula, e se destina a reunir e sobrestar na origem recursos especiais quando conexos em relação à matéria, subindo ao STJ apenas um ou alguns representativos da controvérsia, e que ensejarão efeito vinculante ou parâmetro ao julgamento dos sobrestados.


Acerca disso ressalte-se inclusive o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela impossibilidade de desistência do recurso especial selecionado como paradigma, que também demonstra essa tendência à vinculação por via indireta, entendendo assim, que:

as partes não podem desistir do recurso especial depois de ele ter sido afetado para julgamento por meio da Lei de Recursos Repetitivos, instruído e colocado na pauta do tribunal.

[...] as partes não têm legitimidade para discutir algo como "a aplicação da lei em tese", ou seja, acerca de quais seriam as aplicações que, em princípio, uma lei teria para além do caso.

Deste modo, tem-se que diante da forte movimentação e orientação declaradas pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, o precedente judicial no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos, encontra-se na classificação de precedentes com eficácia erga omnes, mas que não têm o condão da vinculatividade, carecendo de efeito vinculante em razão de falta de previsão legal, a exemplo do que ocorreu com a Súmula Vinculante, através da EC nº 45/2004, mas que a tendência pela atribuição do efeito vinculante se mostra agora na proposta de um Novo Código de Processo Civil.
A esse respeito é importante ressaltar que o novo CPC parece querer resgatar essa busca e atribuir de vez a vinculação obrigatória ao julgamento de recursos repetitivos, mudança que está sendo discutida pela Comissão de Revisão do CPC, criada pelo Senado Federal.
Desse modo, assim como já nos advertia Michele Taruffo, a dimensão institucional do precedente judicial mostrará a relação hierárquica entre as cortes de um ordenamento jurídico, apresentando-se de maneira mais acentuada ou tênue a depender das peculiaridades e fatores que lhe influenciam. No ordenamento brasileiro, a princípio, não há vinculação obrigatória no julgamento dos recursos especiais repetitivos, entretanto, não nos parece que nosso ordenamento tenha já assentado as características na dimensão institucional, no que concerne à vinculação dessa proposta de precedente judicial brasileiro.



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