COL, Juliana. Análise semiótica da comunicação processual. In: Revista Urutágua - DCS/UEM, nº. 20, jan/fev/mar 2010.

Análise semiótica da comunicação processual

Juliana Sípoli Col[1]

Resumo: A comunicação processual revela-se em dois âmbitos: interno, ou comunicação endoprocessual e externo, ou comunicação extraprocessual. Tendo-se em vista a expansão de aplicação do precedente judicial no Direito brasileiro, torna-se relevante a utilização da Semiótica e da Semiótica do Direito, esta em desenvolvimento, como instrumentos teóricos que permitam a análise e compreensão da semiose, ou seja, processo de produção e apreensão do sentido, das decisões judiciais. Isso, pois pela aplicação de precedente judicial, uma decisão pode produzir efeitos em casos posteriores e, com isso, ganha abstração e generalidade de norma jurídica, falando-se, assim, em norma jurídica judicial. Nesse contexto, é relevante compreender os valores subjacentes às decisões, como os valores da nova lex mercatoria, propalados por instituições representantes dos interesses mercantis, já que tais decisões podem denotar as tendências para a atuação jurisdicional futura.

Palavras-chave: Semiótica; semiose; precedente judicial; lex mercatoria.

1. O Direito como linguagem – considerações iniciais

Segundo a proposta do giro lingüístico ou linguistic turn, é na linguagem que o conhecimento ocorre, o mundo é desvelado e onde se dá o sentido (STRECK, 2009). Não haveria, portanto, nada fora da linguagem, pois é por ela e nela que tudo se revela. Poder-se-ia, portanto, falar no direito como linguagem, não apenas na linguagem do direito, atinente à especificidade semântica de muitos termos dentro do contexto jurídico, ao que vulgarmente se diz e, geralmente, com cunho pejorativo, “juridiquês”. Mas, entende-se a linguagem em seu sentido amplo, o que abarcaria o verbal e o nãoverbal. Neste sentido, Carlos Bittar (2009) exemplifica como linguagem jurídica nãoverbal os sinais de trânsito, por exemplo. E, ainda poderíamos citar o processo civil, no qual a não apresentação de contestação no prazo legal produz o fenômeno conhecido como revelia e, em ocorrendo esta, podem-se presumir verdadeiros os fatos narrados pelo autor da demanda (Art. 319 do Código de Processo Civil). Com isso, o silêncio do réu pode ser um indício de veracidade do alegado, e haveria, por conseguinte, linguagem não-verbal.

Ainda, tomando o processo civil como objeto de análise, nota-se o processo judicial permeado pela comunicação. Esta, de etimologia latina (comunicatĭo/comunicatiōnis) (HOUAISS; VILLAR, 2001), consiste no ato de pôr em comum, na transferência a outrem de um conteúdo ou mensagem portadora de sentido. E, para que a transferência da mensagem se viabilize e a comunicação se efetive é necessário o uso de signos, ou seja, “uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (SANTAELLA, 1983, p. 78). Dessa maneira, o estudo do direito e do processo civil, bem como da comunicação processual, torna necessária uma ciência e metodologia que tenham por objeto o signo; para tanto, seria possível a utilização da Semiologia ou da Semiótica. Todavia, não basta o estudo tão-somente do signo, mas também e, sobretudo, do processo de produção e apreensão do sentido, ou seja, semiose (PEIRCE, 1977) e, justamente por isso, a Semiótica possui os instrumentos teóricos adequados à análise da comunicação processual.

2. Da Semiótica e da Semiologia

Consoante exposto, tanto Semiótica como Semiologia são ciências voltadas para o estudo do signo, muito embora haja divergência, como entende Landowski (1992, pp . 57-58) ao dizer que:

Ao contrário de uma opinião bastante difundida, a semiótica não tem por objeto essencial o estudo dos signos; na verdade, ela visa a (sic) construção de uma teoria geral da significação... É à semiologia que cabe, em linhas gerais, descrever os sistemas de signos, isto é, a organização de um certo número de ‘códigos’... certas unidades de um quadro preestabelecido de ‘significados’... a determinadas unidades correspondentes de ‘significante’...

O mesmo autor ainda acrescenta que “... o sentido está em toda parte (...) [logo, são objeto da semiótica] os discursos e as práticas referentes ao direito, pois todos eles são, por diversas razões, portadores de sentido” (LANDOWSKI, 1992, p. 58). É mesmo esse o diferencial da Semiótica em relação à Semiologia, já que aquela, além de estudar os signos, verbais ou não – abrangendo, por conseguinte, a Semiologia –, sendo, como diz Santaella (1983) a Ciência dos Signos, é também a ciência que estuda a semiose, ou seja, o processo de produção e apreensão do sentido, o qual, para Peirce (1977), seria um processo ilimitado.

Por outro lado, entendemos que a Semiologia, ciência vislumbrada por Ferdinand de Saussure no século XIX – ao mesmo tempo em que Charles Sanders Peirce, considerado pai da semiótica moderna (pois que o estudo dos signos remonta à Grécia Antiga, já com Platão e Aristóteles, bem como se desenvolve nas filosofias tomista e agostiniana, no período medieval) lançava nos Estados Unidos sua teoria semiótica – volta-se ao estudo de signos verbais; e, a Semiótica, de signos (verbais ou não-verbais), bem como da semiose.

Assim, a proposta de Saussure consistia na construção de uma ciência da linguagem verbal, que transcendesse os limites da lingüística (SANTAELLA, 1993) – esta restrita à língua –, ciência essa que, embora não tenha construído, designou de Semiologia. Saussure ainda estabelece elementos que estruturam a língua, propiciando o desenvolvimento de um conjunto de princípios reitores do funcionamento das línguas em geral e não de uma, ou algumas línguas; o que propiciou o surgimento do estruturalismo lingüístico. A concepção saussureana de estrutura é de que “a interação dos elementos que constituem a estrutura da língua é de tal ordem que a alteração de qualquer elemento, por mínima que seja, leva à alteração de todos os demais elementos do sistema como um todo” (Idem, p. 104).

Sua teoria também inclui a diferença entre langue (língua) e parole (fala) e a dicotomia sincronia e diacronia – estabelecendo dois eixos: um vertical, eixo das simultaneidades, no aspecto estático, sem intervenção do tempo; e o horizontal, eixo das sucessões, marcados pelas evoluções e transformações, no aspecto diacrônico (SAUSSURE, 2001) –, tendo significativa contribuição à Lingüística.

Posteriormente, diversos autores pósestruturalistas criticam a teoria de Saussure e lançam novos postulados teóricos na pretensão de superá-la (NÖTH, 2005-a). Podem-se citar Roman Jakobson, o qual sofreu influência da semiótica russa – saliente-se que os estudos de Semiótica não se circunscrevem ao âmbito europeu e norte-americano, havendo contribuições russas a tal ciência (SANTAELLA, 1983) –, que desenvolveu a teoria estruturalista da linguagem, estabelecendo as funções da linguagem e os elementos da comunicação (emissor, receptor, mensagem, contexto, canal/contato e código); Roland Barthes, que inverte a proposta saussuriana atinente à relação entre lingüística e Semiologia, entendendo, ser a Semiologia parte da lingüística e não o contrário, conforme propunha Saussure; Algirdas Julien Greimas debruça-se sobre o discurso, na linha sociossemiótica; e, Louis Hjelmslev propõe a glossemática, na busca de aplicar a teoria da linguagem aos signos em geral, para citar-se alguns de muitos nomes que continuam os estudos semiológicos nos diversos campos, desde a antropologia estrutural de Lévi-Strauss à psicanálise de Jacques Lacan.

De todo modo, a análise dos autores ligados à linha semiológica volta-se primacialmente ao estudo da linguagem verbal e signos verbais. A despeito desse entendimento aqui esposado, para Winfried Nöth, a diferença entre Semiótica e Semiologia seria meramente terminológica. Segundo ele (NÖTH, 2005- b, p. 23): “semiologia permaneceu durante muito tempo como o termo referido nos países românicos, enquanto autores anglófonos e alemães preferiram o termo semiótica” e tal dissensão teria sido superada.

Factualmente, como supracitado, há dimensão geográfica de ambas as ciências, pois que, Saussure desenvolveu na Europa sua teoria e Peirce nos Estados Unidos. Mas a possível divergência por questão de hegemonia não parece suficientemente plausível. De toda forma, estabelecidas as distinções entre as referidas ciências, e tendo-se em vista a comunicação processual e a semiose das decisões judiciais como objetos de análise, a Semiótica desponta como a melhor ferramenta teórica para o fim proposto.

3. Análise semiótica da comunicação processual

Falar-se em comunicação processual implica a verificação de duas perspectivas: uma eminentemente processual, ou seja, inerente e interna ao processo (judicial civil, em nossa abordagem), com os elementos e partes nele diretamente envolvidos; e, outra, externa ao processo, sem vinculação direta a uma ou alguma demanda específica, mas que, no entanto, exerça influência no processo e tenha repercussões internas a ele. Daí se falar, no primeiro caso, em comunicação endoprocessual e, no segundo, comunicação extraprocessual.

Quanto à comunicação endoprocessual consideram-se como participantes diretos – dentre outros que, eventualmente, nela atuem como, e. g., peritos e representante do Ministério Público – magistrado e partes. A atuação do juiz, considerado como órgão do Estado, este detentor do poder jurisdicional, ou poder de dizer/aplicar o Direito a casos concretos, a fim de dirimir litígios, deve ser imparcial, neutra, já que:

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial: e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas. (CINTRA et al., 2006, p. 58).

As partes, por outro lado, como a própria nomenclatura faz pressupor, atuam de modo parcial, a fim de convencer o magistrado de que seu direito é melhor que o direito alegado pela parte contrária. Assim, a busca encetada pelas partes no intuito de persuadir o magistrado acerca do próprio direito, de modo que a decisão judicial prolatada seja favorável a si, realiza-se por meio da comunicação, a qual é entremeada pelo princípio do contraditório (com embasamento constitucional, incluído no rol de direitos e garantias fundamentais – Art. 5º, LV da Constituição Federal de 1988), como tentativa de se garantir participação equânime, evitando-se hipo ou hipersuficiência de qualquer das partes e buscando-se atender ao princípio democrático.

Por meio da comunicação desenvolvida pelos sujeitos do processo: juiz e partes, estas atuando em contraditório, o magistrado forma seu convencimento – ou, ao menos, tem o dever de formá-lo, já que, conforme dispõe o Art. 126 do Código de Processo Civil (CPC) o juiz não se exime de julgar –, e, assim, prolata uma decisão judicial portadora de sentido. Voltamos nossa atenção justamente à decisão judicial; sobretudo, no que concerne à sua semiose, ou seja, ao processo de produção e apreensão do sentido da decisão, não apenas pelos sujeitos do processo, mas, igualmente, pela sociedade de maneira geral, já que a decisão judicial gera efeito para as partes, mas tem, igualmente, repercussões sociais.

Analisando-se a decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em demanda ajuizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com o fim de punir empresas de transporte terrestre que descumprissem o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003), em especial o seu Art. 40, no qual se assegura a reserva de vagas gratuitas a idosos, em veículos utilizados no sistema de transporte coletivo interestadual, foram encontrados elementos indiciários e simbólicos na semiose de tal decisão que, a rigor, não teriam sido carreados ao processo pelas partes, ou seja, não seriam inerentes à comunicação endoprocessual; tomando-se como hipótese, portanto, a existência de uma comunicação externa ao processo, mas com influências internas a ele (COL, 2008).

Assim, na decisão referida, há trechos como: “Dinheiro não dá em árvores”; “não pode haver, por exemplo, uma lei suprimindo o direito de propriedade... [ou] o que foi legalmente contratado”; “Nossas relações econômicas se regem pelas regras do sistema capitalista, da economia de mercado, não sendo lícito ao Estado, em nome de uma obrigação que é sua, confiscar vagas em ônibus ou qualquer outro meio de transporte, sem a correspondente contrapartida indenizatória. Se isso não tem previsão contratual, não está em vigor, não foi pactuado entre a empresa e o Estado”; “Qualquer conta, alguém tem que pagar. E não dá para se remeter tudo e sempre para o contribuinte em geral” (STJ – SS no 1.404/DF – Min. Rel. Edson Vidigal, DJ 21.09.2004).

Tais elementos indiciários, como “Nossas relações econômicas se regem pelas regras do sistema capitalista, da economia de mercado” e simbólicos: “Dinheiro não dá em árvores (...) Qualquer conta, alguém tem que pagar”, são condizentes com a proposta de Reforma para o Judiciário da América Latina e Caribe, feita pelo Banco Mundial, por meio do documento técnico nº 319 (DAKOLIAS, 1996), no qual propõem-se como valores a serem observados pelo Poder Judiciário na sua atuação e na semiose das decisões judiciais a independência, transparência e eficiência deste poder (ou, mais propriamente, função do Estado); acesso à justiça e, ainda, proteção à propriedade privada, bem como respeito aos contratos e previsibilidade das decisões.

Vê-se, portanto, que o Banco Mundial – assim como outras instituições, como o FMI (Fundo Monetário Internacional), por exemplo – atua como “voz do mercado”, uma vez que propõe os citados valores condizentes com a nova lex mercatoria, no intuito de propiciar ambiente favorável ao desenvolvimento econômico-social e, logo, de garantir o lucro e permitir a expansão dos mercados globais (CANDÉAS, 2003).

Assim, pleiteava-se na demanda ajuizada pela ANTT, em face da concessionária de serviço público, a reserva de vagas gratuitas em transporte coletivo interestadual para idosos com condição econômica desvantajosa, sem veiculação, pelas partes de discussão acerca de quaisquer dos valores supracitados; no entanto, revelam-se indícios e símbolos dos valores da nova lex mercatoria como fundamentos da decisão, que a tornam um modelo de decisão judicial de acordo com tais valores e, por conseguinte, com as pretensões do Mercado. Uma vez que tais valores não foram veiculados pelas partes, depreende-se da análise dessa decisão, que o Mercado influa sobre a comunicação endoprocessual por meios externos, ou seja, por meio da comunicação extraprocessual.

Mas, para que tais valores sejam reproduzidos na comunicação endoprocessual, é necessário um ente que introduza tais preceitos no processo e, não sendo as partes, parece-nos que somente poderia ser o Poder Judiciário que se comunicaria endoprocessualmente e extraprocessualmente, recebendo tais mensagens/valores do Mercado e reproduzindo-os no processo. Assim, o Mercado, entendido como ente abstrato que atua no sentido de implementar os valores da lex mercatoria, comunica-os ao Poder Judiciário por meio da comunicação extraprocessual. Este, por sua vez, ao atuar na comunicação endoprocessual reproduz as determinações transmitidas na comunicação extraprocessual, de modo que a semiose é realizada com base nos valores da nova lex mercatoria.

Surge, dessa forma, o questionamento sobre a efetiva existência de comunicação na relação entre Mercado e Poder Judiciário: como a comunicação extraprocessual parece denotar um condicionamento da atuação jurisdicional pelo Mercado, indaga-se se o caráter de tal relação é dialógico, como o conceito de comunicação faz pressupor, ou monológico – muito embora no monólogo pareça inexistente comunicação, esta entendida como transmissão de mensagem a outrem – tendo-se em vista que o Poder Judiciário, ao reproduzir endoprocessualmente os valores da lex mercatoria, estaria atuando condicionado, como mero legitimador das pretensões do Mercado, de modo que não se constataria um diálogo efetivo.

No entanto, quando o Poder Judiciário reproduz os valores da lex mercatoria na comunicação endoprocessual, condicionado ou não, demonstra anuência, ainda que tácita, com esses valores. Da mesma forma, quando não há a reprodução de tais valores na comunicação endoprocessual, em razão de resistência por parte dos magistrados (que é possível, ainda que possa ter efeitos negativos à economia) há aí resposta – negativa –, mesmo que implícita, às determinações do Mercado. E, por isso, embora supostamente monológica, uma vez existente aparente condicionamento da atuação jurisdicional pelo Mercado, podese notar a resposta do Poder Judiciário ao reproduzir ou não a lex mercatoria, de modo a se verificar o “diálogo”, o que justifica se considerar tal relação como comunicação.

Daí surgir outra indagação que não poderíamos, inadvertidamente, deixar de fazer, muito embora à guisa de conclusão: o fato de haver uma ‘decisão símbolo’ como a analisada – com apologia e, mais que isso, determinação dos valores preceituados pela nova lex mercatoria – prolatada por um ministro do STJ poderia constituir um indício do modelo de semiose não somente pretendido pelo Mercado, mas a ser efetivamente implementado no campo jurídico brasileiro? Queremos, com isso, dizer: abriu-se um precedente judicial e, portanto, tem-se em tal decisão não só um símbolo, mas um protótipo de atuação jurisdicional para o futuro (ou até mesmo para o presente)?

A resposta parece afirmativa: no contexto que se encontra em franco avanço no Brasil, de valorização do precedente judicial, em que “... a decisão de um caso tomada anteriormente pelo Judiciário constitui, para os casos a ele semelhantes, um precedente judicial” (SOUZA, 2008, p. 15), com potencialidade de vinculação à ratio decidendi do caso anterior, assim considerada a “regra de direito (e, jamais, de fato) que vincula os julgamentos futuros inter alia” (TUCCI, 2004, p. 175); de modo que, à norma judicial, ou seja, a norma resultante da decisão judicial para um caso concreto que, em regra, vincula as partes nele envolvidas, possa ser atribuído caráter genérico, passando a se aplicar a demais casos similares. Tal seria, por exemplo, o caso de súmulas vinculantes que, embora resultantes de normas jurídicas judiciais, prolatadas, portanto, pelo Poder Judiciário, ganham força e vinculação genéricas, como as normas jurídicas resultantes de processo legislativo.

Ou ainda, poderíamos citar as súmulas (ou seja, um preceito extraído de diversas demandas sobre o mesmo objeto) não vinculantes que, embora não sejam cogentes, servem como parâmetro persuasivo quanto à semiose das decisões de casos subsequentes e com similitude aos já decididos. Assim como a decisão referida há outras no mesmo sentido, como por exemplo, a Súmula 381 do STJ, in verbis: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Ainda que haja contratos bancários regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) – que visa à proteção dos interesses consumeristas –, tem-se franco enunciado favorável aos bancos e, logo, condizente com os interesses mercantis, em se considerando que os contratos em que bancos sejam parte tendam ao seu favorecimento.

Daí a importância da Semiótica e, conseguintemente, da Semiótica do Direito, como ciência em desenvolvimento, para o fim de estudar a semiose das decisões judiciais e os precedentes judiciais, em cujo contexto há a possibilidade de reprodução em casos posteriores dos valores subjacentes a decisões anteriores e, assim, um indício ou prognóstico do sentido a se imprimir às decisões judiciais, o que é parâmetro para a tomada de decisões (no âmbito mercantil ou não) e as implicações dessas decisões na eventualidade de se necessitar recorrer à prestação jurisdicional.

4. Considerações finais

Pela aplicação da Semiótica peirceana à análise da decisão judicial tomada como objeto de estudo e, considerada como um modelo simbólico do sentido que o Mercado pretende imprimir às decisões judiciais, nota-se uma tendência quanto à atuação jurisdicional em nosso país. Não se trata, contudo, de um condicionamento cabal, até mesmo porque ainda se nota resistência por parte significativa dos magistrados (FARIA, 2003); mas, um indício de que, sob o pretexto da busca pelo desenvolvimento sócio-econômico – e, também e primacialmente, uma garantia de lucro –, visa-se à institucionalização e implementação dos valores da nova lex mercatoria.

Logo, reitera-se a importância da Semiótica e, mais especificamente, da Semiótica do Direito, ciência em surgimento, na compreensão do direito, enquanto signo e linguagem e, especialmente, da semiose das decisões judiciais cujos efeitos, embora, em regra, vinculem as partes, passam, com a aplicação do precedente judicial, a ser aplicáveis a casos futuros com mesmos fundamentos de fato ao anteriormente decidido, ensejando-se, assim, o surgimento de uma norma jurídica (com suas características peculiares de abstração e generalidade) emanada pelo Poder Judiciário, o que lhe dá caráter de norma judicial, cuja relevância se deve justamente por seu potencial de vinculação de decisões futuras (TUCCI, 2004).

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[1] Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Mestranda em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).



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