O Precedente[1]
Michele Taruffo[2]
Tradução de Rafael Augusto Zanatta[3]

            Antes de falar do precedente, farei duas considerações de ordem geral. Retomando de forma mais precisa algumas das alusões feitas sobre a legalidade, quero assinalar: deve-se defini-la como um critério de decisão necessário, pelo menos a partir de dois pontos de vista, tornando-se talvez menos óbvia esta afirmação geral.
            O primeiro é que, no âmbito da teoria geral do conflict resolution, ou resolução de conflitos, existem teorias de acordo com as quais, a função do processo, e, portanto, do juiz, é exclusivamente a de resolver o conflito, ou seja, por fim à controvérsia.
            Esta forma de considerar as coisas não leva em consideração os critérios com os quais o juiz põe fim à controvérsia; o que interessa, nesta perspectiva, é que, em certo momento, o conflito termine, não importa como. A finalidade é a de eliminar o conflito. A este aspecto, uma decisão justa ou uma decisão injusta, uma decisão legítima ou fundamentada violando uma norma, são iguais, sempre e quando se termine com o conflito.
            A teoria de resolução de conflitos tem como finalidade ocupar-se das maneiras através das quais se eliminam os conflitos e como essas teorias tem sido bastante difundidas no pensamento jurídico nos últimos anos, é oportuno distinguir entre uma decisão justa e a pura e simples eliminação da controvérsia que pode ocorrer de qualquer maneira.
            Às vezes digo aos meus estudantes que se elimina a controvérsia também matando o adversário. Se um mata o adversário, a controvérsia se acaba. As empresas podem se eliminar do mercado. Isso acontece com freqüência. Há muitas maneiras eficazes para eliminar a controvérsia, muitas delas são ilegais ou injustas; mas, se a finalidade é eliminá-la e ponto, todo o resto não conta.
            Então, uma coisa é a resolução da controvérsia e outra distinta é a decisão justa de uma controvérsia. A decisão justa implica no uso do critério representado pela lei; a resolução de uma controvérsia não necessariamente implica na aplicação deste critério.
            Outro aspecto em que se torna importante a referência à legalidade é a utilidade de distinção entre julgamento e decisão: um problema pode ser decidido sem julgamento, por exemplo, simplesmente jogando os dados à sorte. Vou dar um exemplo clássico: o Juiz Brideloie, jogando os dados. Há também um filósofo do direito contemporâneo, Neil Duxbury, que num livro que escreveu há alguns anos, “Random Justice”, propõe a sorte como método racional para resolver conflitos.
            Essas coisas não são absurdas. Com isto quero dizer que tais coisas ainda são propostas hoje.
            Eu faria esta distinção: o julgamento é uma decisão que faz segundo o direito. Uma decisão, por outro lado, pode ser tomada de qualquer forma. Então, o mesmo que se diz a respeito da resolução das controvérsias, desta vez se aplica especificamente ao momento de resolução da controvérsia.
            Qualquer coisa pode ser decidida de qualquer maneira; mas a decisão judicial é um julgamento: por tanto, implica no raciocínio e também em critérios de decisão; ainda mais, se estamos dentro de um sistema inspirado no princípio da legalidade, o critério obrigatório de decisão é a aplicação do direito. Isto para ordenar um pouco as idéias ou suprimir alguns problemas.
            O segundo ponto de vista, sobre o qual não vou insistir, mas que é importante mencionar, é que interpretar um preceito quer dizer atribuir-lhe significado, o qual não está implícito no texto. Nenhum texto leva com si mesmo seu significado. É o intérprete que vai atribuir significado ao enunciado textual. Sobre isso, os juristas, como muitas vezes ocorre, chegam tarde, porque tem sido os críticos literários e os estudiosos da interpretação literária, os semiólogos como Umberto Eco e os escritores como Ítalo Calvino, os primeiros que tem declarado que o texto em si mesmo não é nada, senão até o momento em que chega um intérprete, que lhe vai atribuir um ou vários significados.  É aí quando se pode aplicar a máxima tradicional “se algo está claro, não requer seja interpretado”. Sem embargo, a máxima está equivocada, porque nunca há nada que seja verdadeiramente claro. Está claro só aquilo que se considera claro; mas isso pressupõe um julgamento implícito, que já atribuiu um significado a esse enunciado. Então, considerar um enunciado claro se deve somente ao que implicitamente já se interpretou.
            Daqui resulta que se pode eliminar uma distinção que incomodará os filósofos da língua inglesa, que separam os hard cases dos easier cases, pois não há nenhum caso que em si seja difícil, como não existe nenhum caso que em si seja fácil.
            Um caso aparentemente fácil pode tornar-se imediatamente difícil no momento em que se questiona o significado da norma que se está aplicando. Pode ser que um caso tenha sido fácil durante dezenas anos até que alguém diz: “não é certo, este preceito não deve ser interpretado assim”. No momento em que surge o problema da interpretação, o caso fácil já se tornou difícil, podendo também ocorrer o contrário. Os casos difíceis podem tornar-se fáceis no momento em que uma determinada interpretação de uma norma se consolida, então, já não se coloca em discussão e, neste momento, o caso difícil se torna fácil. Todas essas coisas são variações sobre um mesmo tema – como diriam os músicos – e é o intérprete que atribui significado ao texto. O texto por si, em si mesmo, não possui nenhum significado que se impõe a um intérprete.
            Naturalmente, isto faz surgir o problema dos limites que o intérprete – no nosso caso o juiz – encontra nesta atribuição de sentido a um texto. E aqui também eu faço remissão a um livro que é uma compilação de ensaios de Umberto Eco que se chama “Os limites da interpretação”. Os ensaios tratam sobre os limites da interpretação de textos literários ou de textos em geral. O que escreve Umberto Eco é uma crítica literária; mas sem trocar uma só vírgula, isso é válido também para a interpretação da lei, no plano dos conceitos gerais. Portanto, pode-se pensar nos limites que derivam da linguagem que se utiliza, pois certas palavras possuem somente três ou quatro significados e não um número infinito de significados.
            O dicionário tem um sentido e vincula o intérprete. Portanto, o sentido de uma palavra pode caber dentro de certo leque de significados determinados pelo uso. Eu não posso, por exemplo, interpretar a palavra cavalo, dizendo que é um animal de seis patas e um chifre na testa. Não tenho essa liberdade, porque o significado consolidado do termo já me vincula. No passado, poderia ter ocorrido que alguém confundira camelos com cavalos, porque alguém nunca tinha visto um camelo, mas a linguagem estabelece vínculos para o intérprete. A linguagem comum o faz: com maior razão, o faz também a linguagem técnica do direito, pela qual é uma presunção dizer que uma coisa é diferente na linguagem técnica e na linguagem comum. A “prescrição” tem um determinado sentido no âmbito do direito civil; mas não é a mesma “prescrição” do médico, quando faz uma receita médica.
            Enfim, muitas palavras que tem diferente significado se referem a coisas superficiais. Sem embargo, tudo isso deve ser levado em conta, porque o primeiro limite sistemático na discricionariedade do intérprete é a linguagem utilizada para escrever o texto, o texto que irá tratar de interpretar.
            Depois vem o nível das convenções interpretativas. Cada comunidade lingüística possui suas próprias convenções que filtram o significado, ou os significados possíveis, sendo muitas vezes convenções não escritas, às vezes codificadas, às vezes não codificadas. São convenções da comunidade lingüística e logo, a comunidade social dentro da qual se interpreta o texto, se vão estabelecendo e podem ser convenções distintas.
            Algumas vezes estas convenções se traduzem em normas. São normas jurídicas com respeito à interpretação das próprias normas jurídicas. Por exemplo, no Código Civil italiano, num título preliminar e em outros códigos, talvez também no de vocês, existem normas que se dirigem ao juiz para lhe explicar lhe quais os critérios permitidos para interpretar as normas que ele irá aplicar. Então, estão as interpretações literal, sistemática, teleológica, orientadas às conseqüências.
            Existem normas sobre a interpretação dos contratos que substancialmente são a mesma coisa: respeitar a vontade das partes, aplicar a boa-fé, etc. Estas são regras, normas sobre a interpretação de outras normas, privadas ou não, conforme o caso, e depois teremos o nível dos assim chamados cânones da interpretação, o argumento ad major e ad minus, o argumento em contrário, o de analogia, o a fortiori, etc. O conjunto destas regras de interpretação representa o conjunto dos limites para o intérprete da linguagem, pouco a pouco, até chegar às normas expressadas com respeito à interpretação.
            Alguém pode perguntar: como se controla o arbítrio do juiz quando interpreta a lei? Pois se faz assim: o intérprete que quer interpretar corretamente o texto que está interpretando é o primeiro que tem que aplicar estas regras, as regras de uso correto da linguagem, as convenções de sentido que estão vigentes dentro da comunidade, os cânones de interpretação jurídica, as normas jurídicas com respeito à interpretação dos textos legais.
            Imaginando este conjunto, pode-se notar que é um conjunto de regras limitativas bastante fortes, desde o sentido das palavras individualmente até o sentido da sintaxe; desde o enunciado do sistema até o enunciado comparado com outros enunciados do sistema. Enfim, critérios para resolver as antinomias, por exemplo, todas essas coisas que nos ensinam os filósofos da argumentação jurídica, são coisas que devem ser observadas ao interpretar e que podem ser limites para um intérprete.
            Aqui, então, a atribuição de significado ao enunciado normativo é algo muito aberto e algo muito livre. Por exemplo, a distinta natureza da linguagem que vai utilizar o legislador, a textura aberto ou não aberta das normas jurídicas incide sobre os âmbitos de liberdade. Interpretar uma regra que diz que “algo deverá acontecer dentro de trinta dias a partir de um momento”, não é o mesmo que interpretar uma norma constitucional, por exemplo, de onde há um princípio de igualdade. Existe uma estrutura diferente.
            Tudo isto representa os limites para a interpretação que, por um lado, é livre a princípio, livre em si mesma, no sentido de que não está vinculada a priori por nada, muito menos por um significado pré-determinado da norma; mas, por outro lado, não é arbitrária, porque está guiada, não por uma regra, mas sim por um conjunto sistemático e estratificado de regras de interpretação e, por tanto, a interpretação correta está no ponto médio entre estes dois extremos: a liberdade do intérprete, por um lado, e os vínculos de distinta natureza que se impõem ao intérprete, por outro. A interpretação correta é aquela que é livre; mas aquela que se aplicam as regras de interpretação.
            Com respeito aos problemas gerais, até agora, todas essas questões se aplicam às normas e eu aqui parto de uma definição tradicional da norma jurídica, ou seja, um enunciado de caráter geral e abstrato que a define por classes, não por eventos ou por temas ou sujeitos específicos: “todos aqueles que”, ou “todas as vezes que”, assim é como dizem as normas e se referem a esta classe de eventos, a alguma conseqüência jurídica ou, pelo menos, a uma classificação jurídica.
            O problema é o de remeter o caso particular ou específico à previsão geral que estabelece a norma; isto marca o limite da interpretação no sentido clássico, no sentido dos teóricos da interpretação, sobre tudo nas culturas de língua inglesa – as alemãs em particular – que sempre estão ocupadas da interpretação das normas como enunciados gerais e abstratos e param por aí.
            O silogismo judicial e as outras coisas que nós discutimos anteriormente se referem a isso. Este discurso marcou, por muito tempo, a grande discriminação entre a cultura jurídica do civil law e do common law. Os civil lawyers, como dizem os americanos, somos nós, os italianos, e também vocês, os mexicanos. É claro que nós, os civil lawyers, estamos acostumados a raciocinar juridicamente em termos de aplicação de normas gerais para casos particulares. Os common lawyers não estão acostumados a pensar desta maneira; tanto é assim, que este é um elemento que falta em sua formação cultura. É uma categoria que não possuem, simplesmente, porque foram acostumados a raciocinar a partir dos precedentes. Isto remonta à história do direito inglês e, depois, encontra várias manifestações tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos. Até poucos anos, era fácil encontrar, por parte dos que se dedicavam ao direito comparado, esta distinção: o common law é o sistema que se baseia no precedente, e o civil law é o que se baseia na norma jurídica geral e abstrata (lei).
            O fato é que as coisas mudaram ultimamente, de modo que uma distinção deste tipo, formulado nestes termos, é hoje algo completamente falso, por suas razões: a primeira é que as leis escritas tomaram no sistema da common law um espaço que tradicionalmente não tinham. Os ingleses e os americanos reconhecem que hoje os statutes, ou seja, nossas leis, partes inteiras do direito, estão reguladas por normas de lei, de origem parlamentária. Como nosso direito mercantil, processual, etc. Portanto, sobre este lado rompeu-se um pouco a distinção. Já não é certo que o common law é um direito jurisprudencial.
            Por outro lado, também se rompeu o outro aspecto da distinção. Já não é certo que o civil law é um direito de lei escrita, geral e abstrata. Fazendo uma avaliação grosso modo e muito aproximada, pode-se dizer que hoje as diferenças, se bem existem entre os dois tipos de sistema, são difíceis de delimitar.
            Os juízes italianos, alemães, espanhóis, e imagino que também os latino-americanos, usam o precedente de forma substancialmente igual, não diferente do modo em que o fazem os juízes da common law. Até alguns anos, fizemos um estudo comparado com um grupo de amigos filósofos do direito, precisamente sobre essas coisas levando em consideração doze ordenamentos distintos, dois de common law: Inglaterra e Estados Unidos, e dez de civil law: Finlândia, Itália, Alemanha, etc., e analisamos estes ordenamentos com os mesmos instrumentos. O resultado foi que, na realidade, as diferenças no uso concreto do precedente são pouco relevantes. A única exceção aparente está representada pela França, onde os juízes não citam os precedentes quando fazem a motivação da sentença, mas os franceses dizem que não as citam, “as usam”, portanto esta é uma diferença somente aparente e não uma diferença real. Não é que o juiz francês não utiliza o precedente para raciocinar, mas não o especifica por razões de ordem judicial.
            Este fato despacha uma das distinções fundamentais que estavam acostumados os estudiosos do direito comparado. A contraposição da lei escrita com o precedente já não existe e, sobretudo, já não serve para dividir o mundo em dois, as coisas tornaram-se mais complexas.
            Outro aspecto que também vai por terra é a diferença tradicional entre eficácia vinculante, ou de direito e a vigência, ou eficácia persuasiva, ou de fato, do precedente judicial. Aqui também tradicionalmente temos uma decisão, como dizem os americanos e os ingleses, que se baseia na eficácia do vínculo do precedente e, ao contrário, outra com um uso decididamente persuasivo. É uma distinção que se alguma vez foi real, já não é mais, já que não existem estes termos. Primeiro: o juiz americano nunca se considerou verdadeiramente vinculado ao precedente, sempre disseram que eles utilizavam o precedente por comodidade, quando consideravam que a decisão, a regra de decisão era a correta. Se não gostavam, não utilizavam o precedente e inventavam outro critério de decisão. Sempre, ademais, eles têm feito assim. Portanto, no estilo americano, a utilização do precedente é a utilização econômica das fontes. O juiz se reporta ao precedente, porque assim faz menos esforço para explicar porque decidiu assim, mas também no sistema inglês, que tradicionalmente se considerava o mais rigoroso, o vínculo de direito derivado do precedente se rompeu.
            Foi em 1966 quando as Cortes Supremas inglesas anunciaram que de ali em diante já não seriam considerados os precedentes como vinculantes, portanto, se destruiu a base do sistema dos precedentes. Por outra parte, Jannin Engles reuniu não menos que 20 a 25 estratégias que os juízes ingleses utilizaram para não serem vinculados pelos precedentes. A “desaplicação” do precedente, que se converteu em algo muito velho, é um assunto diferente.
            Na outra vertente temos, pelo contrário, muitos casos em que o precedente da civil law, sobretudo o que vem dos Tribunais Supremos, das Cortes de Cassação, não é formalmente vinculante, mas que, às vezes, é tão persuasivo que acaba por exercer no juiz tal pressão, se não igual, pelo menos parecida com a que tem aquela que se formou com anterioridade nas cortes norte-americanas.
            Se não pensarmos de maneira formalista, descobriremos que não existem grandes diferenças entre a utilização do precedente que se fazia na Inglaterra e Estados Unidos e a utilização do precedente na Alemanha, Itália, etc. Até aqui, utilizamos classificações distintas para indicar estas coisas, mas a realidade derrubou por terra as classificações, portanto uma operação de limpeza conceitual irá requerer que nos livremos das velhas classificações, porque são obsoletas.
            Um problema importante é que ninguém, que eu saiba, resolveu, todavia, o fundamento teórico – se é que existe – do sentido que há ao justificar uma decisão dizendo: “eu assim decido, porque outros juízes antes que eu assim também o decidiram”. Parece algo bastante absurdo. Se dissermos assim: “Decido colocar o açúcar no café, porque alguém mais também coloca” não tem sentido e, sem embargo, nos encontramos frente à práxis cotidiana, que pesa muito nas decisões do juiz.
            Portanto, no plano teórico, alguém se perguntou: De onde vem o precedente? Que sentido tem sua utilização? Porque poderia servir para algo remeter-se a outras decisões relacionadas a outras pessoas? Alguém disse: “é útil que haja uma continuidade na forma com que juízes decidem as mesmas questões”. Alguém interpretou isso dizendo: “é útil que os juízes sejam previsíveis, porque desta maneira os sujeitos que devem cumprir contratos sabem o que tem que fazer, devem prever o que o juiz vai decidir”. Esta é uma argumentação influenciada pelos americanos, quando se dizia que o direito era a previsão do que iriam fazer os juízes (Holmes).
            Não obstante, a relação jurídica precisa ter como referência critérios previsíveis, tanto é assim que inclusive no passado, nos Estados Unidos, se discutiu a correção da práxis das cortes de overruled, ou seja, de modificar o sentido, porque se dizemos que as partes de um processo basearam suas pretensões pensando que a corte seguiria certos critérios pré-existentes, a mudança de critério prejudicaria as partes. Então, este sistema ainda é utilizado. A Corte Suprema diz: “eu tenho pensado em não mais seguir usando o precedente x, porque já não é adequado, mas neste caso, ainda o aplico, aplico outra vez para que não haja surpresas para as partes e aviso que a próxima vez modificarei o precedente”. Isto é o overruled, que é apoiado pelas cortes norte-americanas para resolver o problema. Podem notar que, em geral, estas questões de previsibilidade e continuidade podem ter um valor ou um desvalor, dependendo do contexto em que se considerem.
            Outra explicação muito comum da utilização do precedente é a que considera o princípio de igualdade. Fala-se que todos os que se encontram na mesma situação jurídica devem ser tratados da mesma maneira. E uma forma pode ser a de vincular os juízes para que utilizem o mesmo critério de julgamento, que é uma forma para justificar a eficácia do precedente. Colocadas as coisas desta forma, o assunto é bastante complicado.
            Em que medida o juiz se deve considerar? De iure ou de facto? Obrigado a seguir o precedente para aplicar valores, como a continuidade da jurisprudência ou a previsibilidade das orientações dos tribunais? Os valores não se encontram escritos em nenhuma parte, portanto, quem alude a esses valores se refere a algo que nem sequer é objeto de garantia constitucional.
            Noutro sentido, existem outros problemas que vem de forma especialmente clara no caso do autoprecedente, isto é, quando uma corte considera que tem ou não que seguir seu próprio precedente e aqui ele diz: “eu juiz deveria decidir esta questão desta mesma forma, porque eu mesmo ou outro juiz desta mesma corte, decidiu esse problema desta forma há dez anos”. Existe alguma justificação para este raciocínio? Provavelmente não, mas se vocês analisarem como se empregam normalmente os precedentes e, sobretudo, os autoprecedente das Cortes Supremas, é precisamente assim.
            E mais, existem muitos estudos na literatura jurídica que buscam induzir as cortes a seguir seu próprio precedente, prescrevendo, por exemplo, que um juiz pode não seguir os precedente de sua corte, somente se demonstrar que existem boas razões para mudar de idéia. Esta forma segue sendo uma maneira para reafirmar o precedente, havendo um peso de demonstração mais para o juiz, ao decidir seguir o precedente; é um vínculo não absoluto, mas ainda é um vínculo. Se eu tenho que demonstrar algo, quero dizer que “tenho que fazê-lo”, “que estou obrigado a fazê-lo”. Então, aqui se pode notar que muitos problemas derivam da dimensão vertical ou horizontal do precedente.
            A dimensão vertical se funda no princípio da autoridade, que pode ser reconhecido ou não. Refere-se à razão pela qual um juiz de primeiro grau considera estar vinculado e tem que cumprir com um precedente fixado pela corte suprema na ausência de outras normas, que embora existissem, não mudaria nada. Está relacionada com a estrutura hierárquica do ordenamento, nem mais nem menos. Basear a decisão numa idéia da corte, que está em nível superior, implica que esta exerce uma quantidade de poder mais ampla. É um princípio de autoridade, que nosso sistema coloca na estrutura burocrática e hierárquica da organização; o fato que nosso ordenamento jurídico é feito conforme essa estrutura, que é teoricamente a do exército napoleônico, é motivo suficiente para fundamentar um vínculo jurídico para o juiz.
            As coisas se formam de maneira ainda mais rara quando nos referimos ao precedente horizontal, que se dá numa corte do mesmo nível, de primeiro grau. Aqui, nem sequer se pode invocar o princípio de autoridade hierárquica ou de distribuição vertical do poder. O tribunal de primeira instância de Puebla, o tribunal de primeira instância de Morelos, quando cita a decisão de outro, o que está fazendo? Está invocando uma autoridade? Que outra coisa faz? Eu diria que está colocando um exemplo, mas não um precedente, cita algo que, pelo menos, está completamente carente de toda força de autoridade, no seu caso. Então, porque cito o precedente de meu colega de Puebla? Porque é brilhante? Pois seria também, em outros termos, porque me cai bem. Ele não tem nenhuma força de persuasão relevante do ponto de vista jurídico e, sem embargo, muitas vezes os precedentes são citados desta maneira como, por exemplo, os do exterior, ou precedentes de outras jurisdições. Ocorre poucas vezes, mas chega a acontecer. Aqui existem problemas muito complexos, muito difíceis, que devem ser considerados. A utilização do precedente se converteu em algo muito complicado e diferenciado e, por tanto, cada exemplo deverá ser analisado individualmente.
            Foi ponderado até aqui pensando em cada precedente individual, cada decisão que se toma como justificação para uma decisão; mas devemos recordar que também existe a jurisprudência, entendida como conjuntos de precedentes, e aqui abre-se outro universo. Uma coisa é raciocinar dizendo: eu tenho a decisão do caso “x” e me pergunto se será útil utilizá-lo ou não, como argumento, no caso “y”. A outra coisa é dizer: para este caso existem cem decisões distintas, vinte da Corte Suprema, trinta das cortes e outras cinqüenta dos demais tribunais, isto já não é o precedente, é outro fenômeno distinto, que não existe no sistema de common law.
            Aqui surgem problemas como se encontro sem sentenças sobre o caso que tenho que decidir. As possibilidades gerais são muitas. Uma é que as cem sentenças digam o mesmo: a chamada jurisprudência uniforme, constante. Outro caso é que as cem sentenças sejam divididas entre outras duas ou três possíveis soluções, por exemplo, tese a, b, c, trinta sentenças para uma tese, outras trinta para outra, e quarenta para outra. Cada grupo está representado por sentenças emitidas por órgãos jurisdicionais distintos. A mim, de que me serve? Que faço com essas fontes? Realizo um cálculo estatístico de qual é a jurisprudência majoritária ou minoritária? A que pesa mais? A que pesa menos? Se eu tiver oitenta sentenças de um lado e três sentenças do outro, então, o que faço?
             Existem conflitos no interior da jurisprudência, coisas que não se verificam quando se utiliza o precedente de tipo anglo-americano em sentido próprio, porque o precedente contrário seguinte cancela o anterior; mas em nossos ordenamentos, nada cancela nada, então, meu repertório de jurisprudência pode encontrar a última decisão da corte “x”, mas também todas as decisões diferentes da mesma corte nos últimos cinqüenta anos e não se excluiu nada, não se cancelou nada. Ao invés, o overruled do precedente americano cancela o precedente anterior. Isso não ocorre em nossa jurisprudência, pois surgem conflitos internos diacrônicos e sincrônicos.
            O que acontece quando a mesma corte, no mesmo dia, decide a mesma questão em duas formas distintas? Na Itália isso acontece - espero que aqui não ocorra, mas na Itália muitas vezes isso se dá. Aqui já não estamos na lógica clássica do precedente. Estamos em outro mundo. Tanto é assim que mudou, ou está mudando, a forma de conceber a função das Cortes Supremas nos distintos ordenamentos. Tradicionalmente, baseados na Corte de Cassação francesa, sempre se disse, pelo menos na Europa, não na zona alemã, que a função da corte suprema era a de ser o último juiz de legitimidade do ordenamento, com a conseqüência de que até não muito tempo atrás, todas as causas em que surgiam questões de legitimidade, poderiam ser levadas às Cortes Supremas. Na Itália, inclusive, existe uma garantia constitucional neste sentido. Já o vimos na Alemanha, já o tentaram na França, se nota muito claramente no Código de Processo Civil espanhol de 200 e se discute em todos os ordenamentos. A tendência é que a função da Corte Suprema seja a de ser uma “corte do precedente”;  portanto, já não é a corte que vá dizer a última palavra em termos de legalidade ou legitimidade da decisão do caso, mas sua função é a de governar a jurisprudência.
            Basta ler o artigo 477 do último código espanhol, de onde se defino o chamado interés casacional como motivo fundamental de recurso ao tribunal supremo, em termos de conflito de jurisprudência pré-existente sobre a questão. Depois, por exemplo, a razão para ir ao Bundersgerichtshof (Supremo Tribunal Federal alemão) é a importância específica da questão de direito relacionada à necessidade de fixar um precedente ou de resolver um conflito de jurisprudência sobre o tema. A corte é a que governa o precedente. Aqui, o ponto de referências mais ou menos consciente de todos estes ordenamentos, mesmo com técnicas muito distintas, desde sempre é o exemplo mais puro, talvez extremo, de “corte do precedente”.
            A Corte Suprema dos Estados Unidos decide menos de duzentos casos por ano como Corte Suprema, federal, civil, penal, administrativa e constitucional, o que a permite ser constituída ou integrada por nove juízes (porque a corte suprema tem o poder absoluto de decidir quais casos pretende decidir). Quando não pretende decidir um caso, pronuncia duas palavras: cerciorare denai, reexame excluído. Quando atua, decide o caso a partir dos seguintes pressupostos: 1) quando existe conflito de jurisprudência das cortes inferiores, ao redor de uma questão de direito, deve fixar um precedente resolvendo o conflito; 2) quando se trata de uma nova questão sobre a qual, todavia, não há orientação consolidada, incluindo não havendo conflito, e; 3) quando a corte pretende eliminar seus próprios precedentes e anunciar um novo. Em todos os demais casos, significa dizer, quando a corte considera que não faz falta fixar um precedente ou pretende manter um que já existe, já não decide o caso.
            Pensando em vários ordenamentos modernos, este é um caso limite: o caso mais puro de uma corte suprema, cuja função é exclusivamente a de governar o precedente e isto é o ponto fundamental da evolução do ato em muitas das cortes supremas que eu conheço, sobretudo na Europa, e na Inglaterra, especificamente.
            Como vocês podem ver, o tema do precedente é infinitamente mais complexo que se possa pensar, simplesmente vendo nas sentenças, as referências que se relacionam a outras decisões. Tudo é discutível, tudo tem que relacionar-se; a estrutura do ordenamento, as justificações à posição do juiz, a função dos juízes que estão acima do juiz que utiliza o precedente. Repito, o papel do precedente judicial e da jurisprudência é um mundo, não é somente uma simples técnica para justificar uma decisão.



[1] Palestra promovida em 19 de Março de 2002, na sede do Tribunal Electoral Del Poder Judicial de La Federación Mexicana, no Salón de Plenos Del Aniguo Palacio de Justicia, em Morelia, Michoacán. In: TARUFFO, Michele. Cinco lecciones mexicanas: memoria del taller de derecho procesal. Tribunal electoral del poder judicial de la Federación, Escuela judicial electoral, México, 2003, p. 29-41.
[2] Professor Catedrático de Direito Processual da Universidade de Pavia - Itália
[3] Acadêmico de Direito da Universidade Estadual de Maringá – Paraná.



TÍTULO:

O TRABALHADOR CANAVIEIRO E SUAS RELAÇÕES DE TRABALHO.

AUTOR: ADRIANA LOURENÇO CAMARGO.

RESUMO

Este trabalho abordou reflexões sobre expansão de lavouras de cana-de-açúcar no Brasil e no estado de Goiás e a legislação aplicável ao trabalhador canavieiro. Tendo em vista as reincidências de casos de libertação de trabalhadores da cana que foram submetidos à trabalhos forçados ou análogos à trabalho escravo. Com o crescimento da população a produção de alimentos cresceu para suprir a demanda populacional. Dentro deste contexto a cultura da cana de açúcar expandiu vertiginosamente por todo o país com intuito de não só suprir as necessidades nacionais. Neste processo produtivo da cana de açúcar afloram as relações trabalhistas advindas da empresa canavieira com seus empregados cortadores de cana. Do ponto de vista da sustentabilidade, aquela relação de trabalho, a legislação atual referente ao trabalhador rural canavieiro e a realidade social do setor canavieiro são, neste estudo, abordadas. Nesta composição analisa-se a eficácia da aplicabilidade da convenção coletiva do setor canavieiro, através do estudo descritivo da expansão canavieira e a relação de trabalho com os cortadores de cana.

Palavras-chave: Indústria canavieira. Trabalhador rural canavieiro. Legislação, Desenvolvimento sustentável.

ABSTRACT

This work approached itself reflections about sustainability, development of the cane in Brazil and in the State of Goiás and the applicable legislation to the sugar cane worker. Having in mind the workers liberation cases relapses of the cane that were submitted to the works forced or analogous to the work slave. With population growth to food production to meet increased population demands. In this context the culture of the sugar-cane expanded dizzily for the whole country with intention of not only providing the national necessities. In this productive process of the sugar-cane there emerge the labor relations resulted from the sugar cane enterprise with his cutting employees of cane. From the point of view of the sustainable, that relation of work, the current legislation referring to a rural sugar cane worker and the social reality of the sugar cane healthy sector, in this study, boarded. In this composition analyzes-itself the efficacy of the applicability of the collective convention of the sugar cane sector, through the descriptive study of the sugar cane expansion and the relation of work with the cutters of cane.

key words: Sugar cane industry. sugar cane rural worker. Legislation. Sustainable development.

INTRODUÇÃO

O rápido crescimento da população mundial, a expansão da agroindústria e a indústria de agrotóxico motivaram, na década de 1960, um modelo de agricultura que tinha como sugestão a sua modernização (Revolução verde) sustentada nas técnicas da produção de forma universal, ou seja, a produção foi maximizada com o rendimento dos cultivos sem considerar os diversos ambientes produtivos. Sendo que este modelo resiste, na maioria das propriedades rurais, até a atualidade (BECKER, 1994).

Como conseqüência da ampliação da agricultura desencadeou-se a destruição e exaustão da biodiversidade, resultante do uso insensato dos recursos físicos e biológicos. Diante da eminente destruição do ambiente em que vivemos a sociedade tem sido questionada sobre sua relação com a biodiversidade e suas perspectivas de sobrevivência.

Tomando como referência este cenário, a partir da década de 1970, deu-se início a uma série de encontros internacionais para se discutir o futuro da humanidade, tomando-se como enfoque central um modelo de desenvolvimento que melhor se adapte ao ser humano e ao ambiente (BRAUN, 2005).

Dentre todas as atividades econômicas, a agricultura é a maior responsável pelo uso do solo em termos globais. Sendo que no Brasil, o desenvolvimento econômico alicerçou-se também, dentre outros cultivos, na produção de cana-de-açúcar.

Atualmente, a mão de obra utilizada na produção de cana-de-açúcar é basicamente assalariada, e a produção da cana é destinada à fabricação de açúcar, álcool e à produção de energia a partir do bagaço, tanto para o consumo interno brasileiro, como também para a exportação (DIEESE/2007).

Buscar respostas para o problema da indicação ou não de sustentabilidade nas Convenções Coletivas do setor canavieiro do Estado de Goiás, constituíndo assim na grande busca deste trabalho, que tem como objetivo contribuir para a formação da consciência sobre a necessidade de se mudar o tratamento dispensado aos cortadores de cana.

1 SITUAÇÃO DO TRABALHADOR CANAVIEIRO.

O corte da cana é realizado ao ar livre, sob o sol, com o trabalhador equipado com uma vestimenta composta de botas com biqueira de ferro, calças de brim, perneiras de couro até o joelho contendo três barras de ferro frontais, camisa de manga comprida, chapéu, lenço no rosto e pescoço, óculos e luvas de raspa de couro. Portando toda essa vestimenta, os equipamentos (um facão, ou podão de metal com lâmina de meio metro de comprimento, mais uma lima) e a realização do trabalho sob o sol levam a um elevado dispêndio de energia, o que por si só são elementos deletérios à saúde. Mas, deve-se acrescer a esses elementos físicos o fato de serem remunerados por produção, num método em que o trabalhador só sabe o resultado do seu trabalho depois de realizado.

Vale ressaltar que o pagamento por produção na cana diferencia-se de outras formas de pagamento por produção porque na cana os trabalhadores não sabem previamente o valor do que produzem. Na maior parte dos pagamentos por produção, os trabalhadores trabalham por ‘peça’ produzida, e estas têm o seu valor fixado antes da realização do trabalho. O valor da cana cortada só é conhecido pelos trabalhadores depois que o trabalho é realizado, e ainda depende de uma conversão de valores que é realizada à revelia dos trabalhadores.

2 CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO PARA O SETOR CANAVIEIRO GOIANO.

A Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT estabelece a definição de convenção nos seguintes moldes:

Acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho. (art. 611, caput, CLT).

As negociações estabelecidas por entidades sindicais, quer a dos empregados, quer a dos respectivos empregadores, resultam na convenção coletiva. Apesar de que as convenções coletivas são de origem privada criam regras abstratas e impessoais, dirigidos a normatizar situações futuras. A convenção corresponde à noção de lei em sentido material. (DELGADO, 2008).

Para Martins (1994) a convenção é onde serão estipuladas condições de trabalho que serão aplicadas aos contratos individuais de trabalho, tendo, portanto efeito normativo entre as partes.

Vale ressaltar que o acordo coletivo de trabalho, quando for constituído dentro das normas formais vincula as partes acordantes da mesma forma que um contrato vincula as partes contratantes. Entretanto, os acordos coletivos podem sobrepor às leis trabalhistas nos que beneficiar as partes (DELGADO, 2008).

Conforme estabelecido na própria convenção coletiva de trabalho do setor canavieiro goiano, com vigência no período de 21/05/2008 a 20/05/2009, a convenção é a formalização das negociações trabalhistas firmados entre, de um lado, os Sindicatos rurais, a Federação da agricultura do Estado de Goiás e Distrito Federal – (FAEG/DF), o Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool do Estado de Goiás – (SIFAEG), e o Sindicato de Fabricação de Açúcar do Estado de Goiás (SIFAÇÚCAR), e de outro lado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Federação dos trabalhadores na agricultura do Estado de Goiás – (FETAEG).

No entendimento do Pietrafesa (1995), as convenções coletivas se traduzem no instrumento que garante equilíbrio nas relações trabalhistas, oferecendo vantagens para todos envolvidos. Para os canavieiros, os ganhos são no sentido de que as convenções coletivas vinculam as necessidades mínimas do trabalhador. Além disso, os trabalhadores ganham maior espaço para uma organização sindical mais estruturada. Para os usineiros o instrumento é uma garantia de cumprimento das leis trabalhistas.

Entretanto, nem sempre existiu esta possibilidade de negociações trabalhistas ao longo de nossa história, pois no Estado de Goiás, dentre outros Estados Brasileiros eram corriqueiras a instaurações de lides para solucionar questões trabalhistas devido as grandes perdas que os trabalhadores sofrem. Entre outras práticas, os cortadores de cana sofrem rebaixamento da diária, a redução da base salarial convencionada, a elevação da tarefa convencionada por meio da classificação irregular da cana, erros ou fraudes na medição e na conversão e a falta de pagamento das verbas salariais (DIEESE, 2007).

Tendo em vista os fatos acima relatados, Martins (1994) salienta que a aplicação das convenções coletivas pode ser vista como de eficácia limitada, aplicável unicamente aos convenentes e, portanto aos associados do sindicato; pode-se ver as convenções também como de eficácia geral se observada em relação a toda categoria, que é o modelo vigente no Brasil.

As cláusulas das normas coletivas são aplicáveis no âmbito das categorias covenientes, sendo observadas em relação a todos os seus membros, sócios ou não dos sindicatos (MARTINS, 1994).

No corte da cana, os trabalhadores são remunerados por metro de cana cortada, mas somente o valor da tonelada de cana cortada fica previamente fixado. Todavia para que o trabalhador conheça o valor do metro de cana cortada existe a necessidade de se converter o valor da tonelada para o valor do metro. (CONVENÇÃO, 2008). Ainda assim, o valor mínimo estabelecido para o piso salarial dos cortadores de cana na convenção de 2008 é de R$ 526,00 (quinhentos e vinte e seis reais) (cláusula terceira da convenção 2008).

Já o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal do Brasil (CF/88) promulgada em 1988, dispõe sobre as necessidades primárias garantidas a todos os cidadãos brasileiros e para tanto o salário mínimo deverá ser capaz de atender as suas necessidades básicas e às de sua família. Em tais necessidades incluem-se as despesas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. (CF/88).

Em outras palavras, a Carta magna determina que o salário mínimo deve ser capaz de proporcionar a condição básica para que todo e qualquer ser humano possa viver com dignidade e possa ter, também, uma perspectiva de crescimento pessoal, cultural e profissional, elevando assim seu padrão de vida e de sua família (JULPIANO, 2002).

No mês de Maio de 2008, o salário mínimo foi fixado, pelo governo brasileiro, no valor de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais), valor este, inferior ao valor mínimo estabelecido para o piso salarial dos cortadores de cana que é no valor de R$ 526,00 (quinhentos e vinte e seis reais). Apesar de que o valor mínimo do piso salarial dos cortadores de cana ser aproximadamente 21% (vinte e um por cento) maior do que o salário mínimo vigente no primeiro semestre de 2009, ele ainda não consegue suprir as necessidades básicas do trabalhador e de sua família, pois as leis trabalhistas, acordos e convenções coletivas de trabalho são comumente descumpridas causando perdas significativas ao trabalhador (DIEESE, 2007).

Não obstante ao acima delineado, ressaltamos que o desenvolvimento sustentável requer o uso racional dos recursos disponíveis hoje, de modo a garantir o retorno econômico e social de sua aplicação no dia de amanhã.

Seguindo este raciocínio frisamos que a Constituição Federal de 1998 demonstra no seu artigo 225, capítulo VI, do meio ambiente, a preocupação do legislador brasileiro com a preservação do meio ambiente visando não só a economia do presente como do futuro, quando se estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF/88).

Vale salientar, ainda, que a qualidade de vida dos indivíduos, neste caso o cortador de cana, é primordial para o desenvolvimento local. Assim, se deve levar em conta que a inserção daquelas pessoas na sociedade, com melhor condição de vida desencadeia outras melhorias no conjunto social, pois assim ele terá dinheiro para gastar com as necessidades mínimas para a sobrevivência do homem, consequentemente terá que recolher tributos, os quais retornarão para a sociedade em forma de um conjunto de infra-estrutura urbana, física e social, e bem-estar da comunidade.

Tendo o cortador de cana uma melhor qualidade de vida, a sua capacidade de inserção social aumenta, sendo reflexo da sustentabilidade de uma economia em desenvolvimento, seja ela local, regional ou internacional.

Caso aflore o desequilíbrio entre as classes sociais, no caso o cortador de cana e a sociedade local, serão comprometidas as melhorias duradouras na qualidade de vida da sociedade em geral. Assim, sem justiça social não há ambiente propício para criarmos uma sociedade sustentável.

Para Soto (2002) o Brasil tem despertado para o fato de que o modelo adotado neste país não é sustentável, pois o impacto ambiental provocado por agricultura excessiva destrói o solo, as florestas, contamina o ar, rios e mares, além de provocar problemas à saúde por intoxicação dos trabalhadores agrícolas devido ao uso de agrotóxicos.

A agricultura familiar tem despontado como um forte modelo de sustentabilidade, onde se reduz a destruição de recursos naturais e o meio ambiente. Todavia a agricultura familiar tem sua fundamentação divergente da lógica capitalista predominante em nosso país, restando assim necessitando de se realizar pesquisas no intuito de comparar os diferentes setores, com o apoio governamental (SOTO, 2002).

2.1 DOS DIREITOS PERTINENTES AO CORTADOR DE CANA NAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE 2006 A 2008

Os trabalhadores rurais, cortadores de cana, do Estado de Goiás constituíram o Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele Estado onde celebram anualmente convenções coletivas, com o intuito de resguardar direitos daquela classe de trabalhadores e dos patronos.

Desta forma passamos a expor as diferenças entre as três últimas Convenções Coletivas de Trabalho para o Setor Canavieiro do Estado de Goiás (2006, 2007 e 2008).

A convenção de 2008 não trouxe grandes mudanças em relação às convenções dos anos de 2006 e 2007, entretanto a disposição das cláusulas foi invertida no intuito de demonstrar que a referida convenção foi modificada, embora seu conteúdo não contenha grandes inovações.

Na convenção em vigor (2008), o piso salarial e a diária apresentaram acréscimos sem grande expressão, apesar de se manter acima do valor do salário mínimo vigente à época.

Quadro 1: Comparativo do valor salarial diário do contador de cana do Estado de Goiás e seu piso salarial mensal nos anos de 2006, 2007 e 2008.

Convenção Coletiva de Trabalho dos Empregados do Setor Canavieiro Goiano

Exercício de 2006

Exercício de 2007

Exercício de 2008

Valor salarial diário

“Cláusula Oitava – [...] terão valor salarial diário nunca inferior a R$ 15,15 (quinze reais e quinze centavos).”

“Cláusula Oitava –

[...] terão valor salarial diário nunca inferior a R$ 16,21 (Dezesseis reais e vinte e um centavos).”

“Cláusula Quarta – [...] terão valor salarial diário nunca inferior a R$ 17,53 (dezessete reais e cinqüenta e três centavos).”

Piso salarial mensal

“Cláusula Nona – O piso salarial da categoria dos trabalhadores na lavoura canavieira, a partir de 21/05/06, não será inferior a R$ 454,48 (quatrocentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e oito centavos) mensais.”

Cláusula Nona – O piso salarial da categoria dos trabalhadores na lavoura canavieira, a partir de 21/05/07, não será inferior a R$ 486,29 (quatrocentos e oitenta e seis reais e vinte e nove centavos).”

Cláusula Terceira – O piso salarial da categoria dos trabalhadores na lavoura canavieira, a partir de 21/05/08, não será inferior a R$ 526, 00 (quinhentos e vinte e seis reais) mensais.

Fontes: Convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro do Estado de Goiás.

Elaboração: Adriana Lourenço Camargo (2009)

Salientamos que a cláusula vigésima nona da atual Convenção Coletiva (2008), a qual se refere à aplicação de agrotóxicos sofreu modificação em favor do empregador se comparada com as Convenções Coletivas do Setor Canavieiro do Estado de Goiás de 2006 e 2007.

Na Convenção Coletiva de 2006, estabelecia-se a necessidade de exames periódicos mensais (§ 1º da Cláusula Décima nona), já na convenção de 2007 estabelecia-se a necessidade do empregado passar por exames periódicos trimestralmente (§ 1º da Cláusula Décima nona). Sendo que na Convenção Coletiva de 2008, estabelece-se também a necessidade do empregado passar por exames periódicos trimestralmente (§ 1º da Cláusula Vigésima Nona).

Entretanto, a Convenção Coletiva de 2008 determina que, no tópico referente à aplicação de agrotóxico (§ 3º da Cláusula Vigésima nona), em caso de inaptidão para a aplicação do defensivo agrícola, atestado por médico, o trabalhador será remanejado para outra função, sendo que o trabalhador deveria ser encaminhado para um tratamento médico.

O Decreto nº. 4.074/2.002 regulamenta a Lei nº. 7.802/1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.

No inciso II do art. 2º do referido Decreto n.º 4.074/2002 determina de quem é o dever de estabelecer formas de minimizar os riscos apresentados por agrotóxicos, como segue:

Art. 2º Cabe aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde e do Meio Ambiente, no âmbito de suas respectivas áreas de competências:

[...]

II - estabelecer diretrizes e exigências objetivando minimizar os riscos apresentados por agrotóxicos, seus componentes e afins;

[...] (DECRETO N.º 4.074/2002)

Todavia o uso de agrotóxicos não registrados vindos do Paraguai, Uruguai e Argentina são comuns nas agriculturas brasileiras, pois o valor de compra dos referidos produtos são ínfimos se comparado com o produto legalizado em nosso país. Entretanto a diferença do uso do agrotóxico legal com o ilegal são os danos com a saúde, meio ambiente e com a vida do homem, pois não se conhece totalmente as extensões dos danos provocados por eles (ANDAV, 2007).

Esta prática incorre na tipificação dos crimes que seguem:

a) Contrabando ou descaminho, previsto no art. 334 do Código Penal Brasileiro;

b) Crime de Sonegação Fiscal previsto no Código Tributário Nacional;

c) Crime Ambiental previsto no Art. 56 da lei 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais);

d) Crime Previsto no art. 15 da Lei 7.802/89 (Lei dos Agrotóxicos) que determina que aquele que comercializa, transporta ou usa agrotóxicos não registrados no País e em desacordo com a citada Lei, pratica crime.

Devemos notar que tanto os trabalhadores que diluem ou preparam as ‘caldas’ (agrotóxicos), como aqueles que aplicam os agrotóxicos e os que entram nas lavouras após sua aplicação, estão sujeitos, em graus diferenciados, a desenvolver quadros de intoxicação.

A contaminação ambiental coloca em risco de intoxicação outros grupos populacionais, além da exposição ocupacional. Em especial, destacamos as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo.

Segundo Bezerra e Veiga (2000) os agrotóxicos são absorvidos pelo corpo humano pelas vias respiratória e dérmica, e em menor quantidade, pela via oral. Uma vez no organismo, poderão causar quadros de intoxicação aguda ou crônica.

O diagnóstico de intoxicações agudas é fácil de ser detectado por um profissional da saúde. Entretanto, os sinais e sintomas clínicos, muitas vezes graves e irreversíveis, que caracterizam as intoxicações crônicas não são facilmente detectados (BEZERRA e VEIGA 2000).

A notificação e investigação de eventos por contaminação por agrotóxicos no Brasil são ainda muito precárias. Os fatores que influem para a ausência de registro de pessoas infectadas por agrotóxicos são as dificuldades de acesso dos trabalhadores rurais aos centros de saúde, diagnósticos incorretos, escassez de laboratórios de toxicologia.

A planilha abaixo demonstra a evolução das convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano relativamente à aplicação dos agrotóxicos, nos anos de 2006, 2007 e 2008:

Quadro n.º 2 - Evolução das convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano de 2006, 2007 e 2008 relativamente à aplicação de agrotóxicos.

Convenção Coletiva de Trabalho dos Empregados do Setor Canavieiro Goiano

2006

2007

2008

Aplicação de agrotóxicos

Parágrafo primeiro da Cláusula Décima nona. “Os empregados designados para aplicação de defensivos agrícolas, serão previamente submetidos a exame médico para atestar sua aptidão, sem ônus para o empregado, devendo o exame ser repetido mensalmente, nas mesmas condições.”

“Parágrafo Primeiro – Os empregados designados para a aplicação de defensivos agrícolas, serão previamente submetidos a exame médico para atestar sua aptidão, sem ônus para o empregado, devendo o exame ser repetido mensalmente, nas mesmas condições”.

Parágrafo único da Cláusula Décima Nona “Os empregados designados para a aplicação de defensivos agrícolas, serão previamente submetidos a exames médicos para atestar sua aptidão, sem ônus para o empregado, devendo o exame ser repetido trimestralmente, nas mesmas condições”.

“Parágrafo Primeiro – Os empregados designados para a aplicação de defensivos agrícolas, serão previamente submetidos a exame médico para atestar sua aptidão, sem ônus para o empregado, devendo o exame ser repetido trimestralmente, nas mesmas condições”.

Cláusula Vigésima Nona “A aplicação de defensivos agrícolas será realizada observando-se a prescrição do receituário agrônomo no que se diz respeito à dosagem, às condições de trabalho e proteção indispensável para todos os trabalhadores envolvidos na aplicação, bem como, na preservação e conservação do meio ambiente, obedecidas as prescrições legais, e o uso obrigatório dos equipamentos de proteção, pelos empregados e empregadores.

[...]

“Parágrafo Terceiro – Constatada a inaptidão para este serviço, firmada em atestado por médico credenciado, o empregado será transferido para outra função. ”

Fontes: Convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro do Estado de Goiás.

Elaboração: Adriana Lourenço Camargo.

É cediço que os agrotóxicos podem causar danos à saúde de diferentes grupos de pessoas como a dos trabalhadores, vizinhos, consumidores de produtos agrícolas, consumidores de água e pescados de mananciais hídricos contaminados (ADISSI, 2001).

Tendo em vista a crescente conscientização do homem sobre o risco na utilização de agrotóxicos em plantações, o mercado tem exigido produtos sadios e livres dos referidos agrotóxicos, forçando desta forma, os produtores se adequarem à demanda do mercado emergente, buscando se adequar a padrões de manejo ecologicamente corretos. (PINHEIRO, 2004).

Podemos inferir, também, da Convenção Coletiva de trabalho para o setor canavieiro goiano (2008), que em seu texto foram reproduzidas as normas positivas hierarquicamente superiores à convenção acima mencionada. Vale salientar que as normas positivas acima referidas já faziam parte do ordenamento jurídico, em legislação esparsas, como segue comparado:

Quadro 3 - Comparação das normas estabelecidas nas convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano de 2008 com as normas já constantes no ordenamento jurídico.

  • Convenção Coletiva de Trabalho dos Empregados do Setor Canavieiro Goiano - 2008
  • BASE LEGAL



Cláusula Nona “Os empregadores pagarão aos empregados que trabalharem durante os 06 (seis) dias da semana, o repouso semanal remunerado, assegurando-lhes, desta forma, folga remunerada aos domingos, esclarecendo-se que prestarem serviços à base de produção, terão direito de recebê-lo de acordo com a média salarial semanal.”

Inciso XV do art. 7º da Constituição Federal/88

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

“XV repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;”

Art. 67 da CLT

“Será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte.”

Cláusula décima quarta – “Aos empregados que recebem por produção, a remuneração referente ao 13º salário será calculada com base na média da remuneração do empregado nos últimos 06 (seis) meses ou do período trabalhado, quando este for inferior, ou dos últimos 30 (trinta) dias, caso este tenha valor superior ao da média encontrada.”

Inciso VIII do art. 7ºda Constituição Federal/88,

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

“VIII décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;”

Cláusula décima quinta – “Fica assegurado aos empregados, que exercem atividades insalubres ou perigosas, um adicional de 20% (vinte por cento) calculado sobre a sua remuneração diária, cessando o direito à recepção desse adicional, em caso de eliminação do risco à saúde ou integridade física do empregado, com observância do disposto na Norma Reguladora Rural – NR 31 e demais normas aplicáveis.”

Inciso XXIII do art. 7º da Constituição/88 Federal

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

“XXIII adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;”

Art 189 da CLT

“Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.”

Cláusula décima sexta – “Os empregadores assinarão a Carteira de Trabalho de todos os empregados que lhes prestem serviços, devendo a mesma ser devolvida ao empregado, pelo empregador ou preposto, com as devidas anotações, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, de acordo com o que dispõe o artigo 29 da CLT, bem como cumprirão todas suas obrigações trabalhistas e sociais.”

Art. 13 da CLT

Art. 13 - A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em caráter temporário, e para o exercício por conta própria de atividade profissional remunerada.”

Cláusula vigésima sexta – “A jornada de trabalho na atividade rural, será de segunda a sábado. A jornada diária de segunda a sexta-feira será das 07:00 às 16:00 horas, com uma hora de intervalo para refeição e descanso e, aos sábados, das 07:00 às 11:00 horas, facultada a pré-assinalação.”

Inciso XIII do Art. 7º da Constituição Federal/88.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Art. 58 da CLT

A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite”.

Cláusula décima oitava – “Os empregados só poderão considerado demitidos pelos empregadores se receberem comunicação por escrito, com um via para o empregado, sob pena de não se considerado demissão.”

Inciso I do art. 7º da Constituição Federal/88

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

“I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;”

Cláusula vigésima segunda – “Os empregadores rurais fornecerão aos seus empregados, sem ônus para estes, as ferramentas (podão, enxada, foice, afiadores, enxadão), necessários e indispensáveis ao cumprimento de serviços a eles atribuídos, sendo que, no ato da rescisão do contrato será descontado do empregado o valor da ferramenta que não for devolvida ao empregador.

Parágrafo único – Os empregadores rurais adotarão, sem custos pra o empregado, os equipamentos de proteção individual exigidos por lei, tais como botas, luvas, óculos, bonés, e caneleiras, os quais serão devolvidos ao empregador, por ocasião da extinção do contrato de trabalho ou do término da atividade que os exigiu.”

Art. 166 da CLT

“A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.”

Cláusula vigésima terceira – “Fica proibida qualquer discriminação em razão de idade e sexo, oferecendo-se igual oportunidade de trabalho e a todas.”

Inciso XXX do art.7º, da Constituição Federal de 1988.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXX-proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.”

Cláusula vigésima oitava –“Aos empregados que recebem por produção, a remuneração, a remuneração referente a férias e, em caso de extinção do contrato de trabalho, também das demais verbas rescisórias, será calculada com base na média da remuneração do empregado nos últimos 06 (seis) meses ou dos últimos 30 (trinta) dias, caso este tenha valor superior ao da média encontrada,”

Inciso XVII do Art. 7º da Constituição Federal/88.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

“XVII gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

Art. 129 da CLT

Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração.”

Cláusula vigésima oitava –“Aos empregados que recebem por produção, a remuneração, a remuneração referente a férias e, em caso de extinção do contrato de trabalho, também das demais verbas rescisórias, será calculada com base na média da remuneração do empregado nos últimos 06 (seis) meses ou dos últimos 30 (trinta) dias, caso este tenha valor superior ao da média encontrada,”

Inciso III do art. 7º da Constituição Federal/88.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

fundo de garantia do tempo de serviço;”

Parágrafos 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

“Art. 2º O FGTS é constituído pelos saldos das contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas obrigações.

§ 1º Constituem recursos incorporados ao FGTS, nos termos do caput deste artigo:

a) eventuais saldos apurados nos termos do art. 12, § 4º;

b) dotações orçamentárias específicas;

c) resultados das aplicações dos recursos do FGTS;

d) multas, correção monetária e juros moratórios devidos;

e) demais receitas patrimoniais e financeiras.

§ 2º As contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis.”

Cláusula quadragésima primeira – “As divergências entre empregadores e empregados na aplicação da cláusulas desta Convenção, serão solucionadas através da intervenção de seus representantes legais. Quando a solução amigável se tornar inviável, o conflito de interesses será solucionado pela Justiça do Trabalho, nos termos da legislação vigente.”

Art. 643 da CLT

Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.”

Cláusula trigésima quarta – “Os empregadores fornecerão água potável no local de trabalho, que deverá ser armazenada em recipiente que garanta a sua qualidade.”

Artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos da Água.

A água é a seiva do nosso planeta. Ela é a condição essencial de vida de todo ser vegetal, animal, ou humano. Sem ela, não poderíamos conceber como são: a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou a agricultura. O Direito a água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o Direito a vida, tal que é estipulado no artigo 3° da Declaração dos Direitos do Homem”

Fontes: Convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro do Estado de Goiás.

Elaboração: Adriana Lourenço Camargo (2009).

As Convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano, nos últimos três anos, reuniram alguns direitos do trabalhador rural, todavia os pontos mais relevantes estão elencados no quadro, constante no anexo 2.

Dentre outros ganhos para o trabalhador rural canavieiro, foi a inserção na convenção coletiva de uma cláusula distinta, onde foi assegurada condição especial para trabalhador ou trabalhadora estudante, pois a maioria dos trabalhadores durante anos eram analfabetos, tendo em vista a existência de inúmeros empecilhos para que os trabalhadores tivessem acesso ao ensino.

A referida cláusula segue abaixo demonstrada nos três últimos anos das convenções.

Quadro 4: Evolução da condição especial de estudante nas convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano de 2006, 2007 e 2008.

Convenção Coletiva de Trabalho dos Empregados do Setor Canavieiro Goiano

Exercício de 2006

Exercício de 2007

Exercício de 2008


Cláusula vigésima nona - Fica assegurado ao empregado estudante o direito de se ausentar do trabalho nos períodos de estágio ou outras atividades exigidas pela escola, considerando-se falta justificada, porém não remunerada, desde que o empregado comprove tal situação mediante declaração ou outro documento fornecido pela escola”

“Cláusula vigésima nona - Fica assegurado ao empregado estudante o direito de se ausentar do trabalho nos períodos de estágio ou outras atividades exigidas pela escola, considerando-se falta justificada, porém não remunerada, desde que o empregado comprove tal situação mediante declaração ou outro documento fornecido pela escola”

“Cláusula vigésima quarta – Fica assegurado ao empregado estudante o direito de se ausentar do trabalho nos períodos de estágio ou outras atividades exigidas pela escola, considerando-se falta justificada, porém não remunerada, desde que o empregado comprove tal situação mediante declaração ou outro documento fornecido pela escola”

Fontes: Convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro do Estado de Goiás 2006, 2007 e 2008.

Elaboração: Adriana Lourenço Camargo (2009).

2.2 Da equiparação do direito de pleitear verbas trabalhistas entre os trabalhadores rurais e urbanos.

Conceito de trabalhador rural é “Trabalhador rural é a pessoa física que presta serviços a tomador rural, realizando tais serviços em imóvel rural ou prédio rústico” (DELGADO, 2008, p. 386).

Segundo Delgado (2008), a Lei n.º 5.889/73 normatiza o trabalho rural, como o trabalho noturno, respeitando a sobre remuneração constitucional (art. 7º, Lei n.º 5.889/73; art 7º, IX, CF/88). Regula ainda a flexibilização do intervalo intrajornada,observados os usos e costumes da região (art. 5º, Lei n.º 5.889/73).

A Constituição Federal de 1988 estabelece a imprescritividade de parcelas durante o período contratual rurícola, sendo que a referida definição não é discriminatória aos trabalhadores rurais, segundo Delgado, 2008.

Entretanto, antes da Emenda Constitucional – EC n.º 28 (alínea “b” do art. 7º inciso XXIX, CF/88) da Constituição Federal, estabelecia-se prazo prescricional de até dois anos após a extinção do contrato do trabalho, sem fluência de prescrição no curso de trabalho. Ou seja, enquanto a prescrição urbana estendia-se a um período máximo de cinco anos dentro do contrato de trabalho, a prescrição rural não corria no desenvolver do contrato de trabalho.

Atualmente, após a Emenda Constitucional – EC n.º 28 foram unificados os prazos prescricionais dos seguimentos urbanos e campestres, segundo Delgado, 2008.

2.3 Da legislação atual que acoberta os direitos do cortador de cana.

Na legislação brasileira vigente encontramos 05 (cinco) modalidades distintas de relação de emprego, como seguem especificadas.

Quadro 5: - Espécie de relação de emprego.

ESPÉCIES DE RELAÇÃO DE EMPREGO

· BASE LEGAL

a) Contrato de trabalho por prazo indeterminado

Decreto-Lei n.º 5.452, de 01 de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), arts. 443 caput e artigo 452.

b) Contrato de trabalho por prazo determinado (CLT)

Decreto-Lei n.º 5.452de 01 de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), arts. 443 caput e § 1º e 2º, 445 e 451.

c) Contrato de trabalho temporário

Lei n.º 6.019, de 03 de janeiro de 1974, arts. 2º, 4º e 12. - Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências.

Decreto n.º 73.841, de 03 de janeiro de 1974. - Regulamenta a Lei nº. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário.

Lei n.º 7.855, de 24 de outubro de 1989, arts. 2º e 3°.

d) Contrato de trabalho por prazo determinado (Lei nº. 9.601/1998)

Lei n.º 9.601 de 21 de janeiro de 1998, arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º.

Decreto n.º 2.490 de 04 de fevereiro de 1998, arts. 1º, 3º, 4º, 7º e 10.

e) Contrato de trabalho rural de pequeno prazo

(Lei n.º 11.718, de 20/junho/08)

Lei nº. 5.889/73.

Elaboração: Adriana Lourenço Camargo (2009).

Fonte: Convenções do setor canavieiro (2006-2008) e Legislação

Neste trabalho nos ateremos à lei que rege o trabalho rural, a qual é objeto deste estudo.

O Decreto-Lei n.º 5.452, de 01 de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), no art. 443 caput estabelece as modalidades de trabalho que podem ser tanto de prazo determinado como de prazo indeterminado esta previsto no artigo 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, como segue:

Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

§ 1º - Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:

a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;

b) de atividades empresariais de caráter transitório;

c) de contrato de experiência.

O trabalhador cortador de cana poderá ser contratado pelas usinas por prazo indeterminado, o qual existe data de início e não tem data prevista para seu término. Ou ainda, o cortador de cana poderá ser contratado por contrato por prazo determinado, ou seja, contrato com data de inicio e término, todavia não podendo este ultrapassar o prazo total de 2 (dois) anos.

Vale ressaltar que a validade do contrato de trabalho por prazo determinado só se configura quando existir uma das situações indicadas no § 2º do artigo acima mencionado. Na alínea “a” menciona a serviço de natureza transitória que justifique a predeterminação do tempo de trabalho.

No caso das usinas, elas necessitam de trabalhadores cortadores de cana somente nas safras, configura-se assim a necessidade de utilização de mão de obra em caráter transitório.

O contrato de trabalho padrão fixado na CLT é a relação jurídica na qual uma pessoa física obriga-se, por tempo indeterminado, a realizar trabalho de maneira subordinada, pessoal, onerosa e não-eventual.

Entretanto, o produtor rural pessoa física, poderá contratar o trabalhador rural por prazo determinado, a qual é regida por lei específica.

A Lei nº. 5.889/73, que rege o trabalho rural foi modificada, em edição, extra pela Medida Provisória nº. 410, publicada no DOU de 28.12.2007, a qual posteriormente foi convertida na Lei 11.718, de 20 de junho de 2008 e publicada no Diário Oficial da União de 23 de junho de 08.

Conforme a Lei 11.718/2008, só o produtor rural pessoa física, proprietário ou não, que explore diretamente atividade agroeconômica, poderá realizar contratação de trabalhador rural por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária.

Esse contrato por pequeno prazo poderá ter duração de até 2 (dois) meses dentro do período de 01 (um) ano. O contrato de trabalhador rural por pequeno prazo que superar dois meses dentro do período de um ano será convertido em contrato de trabalho por prazo indeterminado.

Sem dúvida trata-se de um avanço importante, propiciando ao empregador uma nova modalidade de contratação, daquelas já conhecidas, como: contrato de experiência, contrato de safra, contrato por prazo determinado e contrato por prazo indeterminado.

A inclusão do trabalhador rural na Previdência Social, admitido sob esta nova figura contratual, será feito mediante a Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), com alíquota de 8% sobre o valor da remuneração; cabendo à Previdência Social instituir mecanismo que possibilite a identificação do segurado. A não inclusão do trabalhador na GFIP pressupõe que sua contratação não se deu na forma entabulada pela referida Lei.

Não haverá necessidade de registro desta contratação na Carteira de trabalho e previdência social (CTPS) do trabalhador rural ou em Livro/Ficha de Registro de Empregados, mas será obrigatória a adoção de contrato escrito para fins de exibição à fiscalização trabalhista.

A referida Lei assegura a este trabalhador rural os demais direitos trabalhistas, porém não os especifica, tampouco esclarece de que forma será ele ressarcido.

Para ter acesso aos benefícios da aposentadoria e pensões rurais, o trabalhador rural que presta serviço em caráter eventual será enquadrado na Previdência Social como segurado contribuinte individual. Observa-se que a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador, sempre sob a alíquota de 8%, será deduzida pelo tomador dos seus serviços e recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no prazo normal, assim como ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que será recolhido na forma da Lei n.º 8.036, de 11 de maio de 1990.

O prazo final para que os trabalhadores rurais empregados requeiram a aposentadoria por idade, recebendo o equivalente a um salário mínimo, foi estendido até 31 de dezembro de 2010.

É importante esclarecer que a concessão de aposentadoria por idade do empregado rural depois de 2010, para efeito de carência, será contada da seguinte forma: de 2011 a 2015, cada mês será multiplicado por três e, de 2016 a 2020, cada mês de emprego será multiplicado por dois, sempre dentro do limite de 12 meses. Esse processo só será aplicável para a concessão de aposentadoria no valor de um salário mínimo.


2.4 O DESCUMPRIMENTO DAS LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO COTARDOR DE CANA

A partir da revisão da literatura sobre o tema relação de trabalho e expansão do setor canavieiro, pode-se perceber algumas denuncias de não cumprimento das convenções. No estado de Goiás, também se percebe uma quantidade expressiva de denuncias sobre trabalho forçado e análogo a trabalho escravo, conforme a imprensa local e nacional tem divulgado (ver anexo, fotocópias de noticias da Folha Online).

O trabalho escravo ou forçado não é um problema recente, pois nos remete ao princípio das civilizações humanas, o qual perdura até os dias de hoje em uma versão contemporânea. O conceito de trabalho forçado é estabelecido pela Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1930 como “Todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.”[1]

Apesar de que na referida convenção n.º 29 não estar definido o que seja trabalho escravo, a escravidão é uma forma de trabalho forçado. O trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da liberdade.

O artigo 2º da Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 estabelece que todos os membros da OIT tem o compromisso de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e em conformidade com a Constituição da Organização, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, dentre os quais a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, cujo o Brasil faz parte integrante.

Neste seguimento de trabalhos forçados ou trabalho escravo, segundo Julettel (2008) e pesquisadores da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) divulgaram que existem muitos fatores de risco no corte manual da cana. O principal risco deste trabalho é a sobrecarga na atividade cardiorrespiratória do trabalhador.

O trabalhador cortador de cana executa um ciclo de atividades repetitivas, no qual ele precisa de 5,6 segundos para abraçar um feixe com cinco a dez varas de cana, puxar ou balançar, flexionar a coluna, cortar o feixe rente ao solo, jogar a cana em montes e progredir, isto em média levando a sobrecarga da atividade cardiorrespiratória do trabalhador.

É cediço que o cortador de cana executa seu labor, também, durante o dia e segundo a Norma Regulamentadora (NR) n.º 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, toda atividade laboral pesada realizada em lugares com temperatura ambiente entre 26 e 28 graus Celsius precisa de pausas de 30 minutos para cada 30 minutos de trabalho. Segundo os pesquisadores da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), a média de temperatura máxima de 27,40 graus Celsius foi registrada no mês de maio em um canavial do Estado de São Paulo e naquele Estado a referida Norma Regulamentadora não é cumprida por falta de fiscalização (JULETTEL, 2008).

Corroborando com o entendimento de que a convenção coletiva dos trabalhadores do setor canavieiro não é aplicada, a jornalista Christiane Peres divulgou uma matéria na internet onde foi relatado que 244 trabalhadores cortadores de cana foram encontrados em condições degradantes em uma Usina no sul do Estado de Goiás, onde não foram oferecidos alojamentos adequados, além dos trabalhadores estarem exercendo o labor utilizando equipamentos inadequados de proteção individual (PELES, 2008).

No mesmo sentido, a Folha Online publicou no dia 29/04/2009 matéria sobre o Setor canavieiro, o qual liderou em 2008, as denúncias de trabalho escravo. O referido setor respondeu naquele ano por 36% (trinta e seis por cento) das denúncias envolvendo situações de trabalho degradante.

Na região norte do Brasil ocorreram 46,8% (quarenta e seis ponto oito por cento) das ocorrências de trabalho escravo, no Centro-Oeste do país foram registradas 18,9% (dezoito ponto nove por cento) e no Nordeste foram constatados 17,9% (dezessete vírgula nove por cento). Dos percentuais encontrados o Estado de Goiás manteve a liderança pelo segundo ano consecutivo, com 867 (oitocentos e sessenta e sete) pessoas libertadas, somente em seis ocorrências (FOLHA ONLINE, 2009).

A Folha Online publicou em 17/03/2009, uma reportagem de Eduardo Scolese, onde ele relata que algumas usinas de açúcar e álcool instaladas no estado de Goiás foram multadas por manterem seus empregados em situação degradante ao oferecerem alojamentos precários, jornadas extenuantes, transporte irregular e falta de equipamentos de proteção. Apesar de que as usinas terem sido multadas, elas receberam R$ 1.100.000.000,00 (um bilhão e cem milhões reais) em financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (FOLHA ONLINE, 2009).

Em 01/07/2008, a Folha Online publicou matéria contendo a informação de que 250 trabalhadores foram resgatados por Fiscais do Ministério do Trabalho de uma usina de cana no interior de Goiás, em condições consideradas degradantes, pois viviam em alojamentos precários e tinha descontado de seus salários, por um “gato” (aliciador de mão-de-obra), o dinheiro destinado à alimentação (FOLHA ONLINE, 2008).

Também em 08/03/2008, a Folha Online veiculou notícia de foram encontrados nos Estados de Goiás e Mato grosso mais de 1.500 trabalhadores, contratados por empresa do ramo de biocombustíveis, em condições degradantes por estarem usando moradias precárias e passando fome, pois o “gato” (aliciador de mão-de-obra) não fornecia alimentos suficiente para saciar suas necessidades (FOLHA ONLINE, 2008).

Diante dos dados acima apresentados inferi-se que as Leis Trabalhistas, bem como as Convenções coletivas do setor canavieiro não tem amparado o cortador de cana, pois os casos de trabalhos forçados ou similares à escravidão têm ocorrido rotineiramente.

Infere-se do acima delineado que, ainda que o cortador de cana manual tenha os direitos constantes na Convenção Coletiva de seu setor, este trabalhador rural cortador de cana, exerce atividades com sobre carga, as quais se assemelham à trabalho forçado ou similar a trabalho escravo, pois as Normas Positivas extra Convenção Coletiva não são aplicadas por inexistir fiscalização dos órgãos competentes.

Desta forma, a Convenção coletiva do setor canavieiro não pode garantir a sustentabilidade daquele setor, pois não abrange todas as necessidades primárias do trabalhador.

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[1] O Brasil afilia-se à OIT em 1950.



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