O Direito é uma disputa econômica? As reações francesas ao relatório Doing Business do Banco Mundial e à Análise Econômica do Direito[1]

Bénédicte Fauvarque-Cosson[2]
Anne-Julia Kerhuel[3]
Tradução por Rafael Augusto F. Zanatta[4]
A análise econômica do direito tem provocado fortes reações entre os acadêmicos franceses, em particular desde 2004, quando o primeiro relatório Doing Business foi publicado. Juristas franceses tem unido forças para expôr os limites metodológicos inerentes a esses relatórios, que classificaram a França bem atrás de outros sistemas jurídicos supostamente mais capazes de facilitar os negócios. Na primeira parte, este artigo examina as várias reações a esses relatórios, quase todos publicados somente em francês. Na segunda parte, foca na posição da análise econômica no direito francês, seu papel, e, em particular, o impacto da Análise Econômica do Direito no direito comparada na França. Também aborda os estudos subsequêntes, especialmente a tese das origens jurídicas (legal origins thesis). O artigo mostra que as várias abordagens são complementares e que a análise econômica, sem suplantar a abordagem comparativa tradicional, tem utilidade considerável. Num tempo em que a globalização das relações negociais está levando, cada vez mais, a uma competição entre vários direitos nacionais, comparatistas devem incluem mais essa dimensão em seus campos de estudo. Comparatistas podem também aprender alguma lição com os economistas sobre como melhorar a relevância e a influência de suas pesquisas no debate público.
INTRODUÇÃO
O primeiro relatório Doing Business do Banco Mundial, entitulado Doing Business in 2004: Understanding Regulation, foi como um choque elétrico à comunidade jurídica francesa (e outras relacionadas à França). O debate sobre a eficiência econômica do direito, que não havia sido eminente até então, subitamente tornou-se enérgico. A França, um país embasado em suas tradições jurídicas, foi classificada 44ª (atrás de Jamaica, Botswana e Tonga) e considerada como detentora de um dos sistemas jurídicos menos condutivos ao crescimento econômico. Ao mesmo tempo, os méritos dos países de common law foram enfatizados fortemente em termos de apoio ao princípio das forças do mercado sobre a intervenção do Estado. A tese oculta é que sistemas codificados são inferiores quando comparados com a common law. Desde então, a classificação da França nos relatórios Doing Business tem aumentado ligeiramente. Todavia, mesmo em 2009, a França ainda estava em 31º lugar, atrás de Israel, Latvia e Lithuania, e apenas um pouco a frente de África do Sul e Azerbeijão. Os motivos para a baixa colocação no ranking são explicadas nesses relatórios. Em 2008 e 2009, a França, em contraste, foi classificada em 16º no Relatório Anual do Fórum Mundial Econômico (World Economic Forum).
Poderia ser que a common law (sistema anglo-americano) é mais eficiente que a civil law (sistema romano-germânico)? É incomum na França adotar-se tal ângulo ao contrastar a civil law francesa com a common law. A análise de ambas tradições manteve-se científica e acadêmica até o momento. Mas agora, após os relatórios Doing Business, tomou a forma de uma vigorosa defesa, não meramente do sistema jurídico francês, mas do próprio direito lançado contra a economia, e da diversidade jurídica como uma expressão da diversidade cultural. A análise econômica do direito não foi completamente rejeitada – ao contrário, como veremos, a literatura francesa neste assunto tem sido florescente, em partes graças ao choque causado pelos relatórios Doing Business e o conceito de atratividade econômica como uma característica do direito tornou-se aceito, mesmo nos círculos acadêmicos. Ainda, um estudo em profundidade sobre a relação entre a análise econômica do direito e o direito comparado à luz destes relatórios ainda está em falta. Tal estudo deveria ser previsto para promover uma abordagem interdisciplinar sobre o direito comparado, bem como sobre diversidade cultural. Até o momento, o exemplo destes relatórios anuais é citado por comparatistas, na melhor das hipóteses, para confirmar a visão tradicional de que o estudo do direito comparado deve ser realizado com os métodos tradicionais baseados em dados confiáveis[5].

I. OS RELATÓRIOS DOING BUSINESS: “LE CHOC”
“O direito francês foi então brutalmente lembrado da exigência da eficiência pelas escolas americanas de análises econômicas dos fatores de desenvolvimento” (Guy Canivet sobre o primeiro relatório Doing Business 2004).
Os relatórios Doing Business tiverem um papel crucial em alertar a comunidade francesa sobre o fato de que o direito tornou-se um instrumento de dominação econômica, de que existe um verdadeiro mercado para o direito, e que em alguns setores, nós precisamos reformar nosso direito[6], só para “vender” melhor[7].
Com o intuito de compreender a natureza do debate, uma pequena apresentação do relatório Doing Business será realizada juntamente com a reunião de diversas reações entre os juristas e uma análise dos principais argumentos apresentados por acadêmicos e profissionais da área. Uma atenção particular será prestada às contribuições dos participantes de um grupo especificamente constituído dentro da “Association Henri Capitant des Amis de la culture juridique française” (amigos da cultura jurídica francesa).

A. Breve apresentação dos relatórios
Os relatórios Doing Business são baseados em informações fáticas com relação às leis e a regulação jurídica vigente. Eles lidam com tópicos tais como o tempo e o custo para o cumprimento das exigências regulatórios para o registro de uma empresa, rigidez das leis trabalhistas e procedimentos para assegurar a execução contratual. Eles também investigam a eficiência de instituições governamentais, incluindo Juntas Comerciais e Tribunais. A metodologia baseia-se em informações detalhadas sobre regulações que são consideradas relevantes para identificar problemas específicos e projetar reformas. Desde 2004, os indicadores tem sido examinados e modificados, mas o objetivo geral ainda é o mesmo.
O projeto visa motivar as reformas através de índices nacionais. O relatório de 2004 foi a primeira publicação de uma série anual que estuda as determinantes do desenvolvimento do setor privado. Neste relatório, cinco tópicos foram analisados: começando um negócio, contratando e demitindo funcionários, executando contratos, assegurando o crédito e fechando um negócio. Nos próximos anos, a Doing Business extendeu a cobertura de seus tópicos (por exemplo, a Doing Business 2005 adicionou três novos tipos de indicadores: mostrando as regulações que um empreendedor enfrenta ao registrar uma propriedade, protegendo investidores, negociando com licenças empresariais). As apostas são altas: eles relatórios, leia-se mundialmente, desfrutam de grande sucesso e tem sido utilizados como modelos para outros relatórios, bem como para reformas legislativas e, presumivelmente, para decisões sobre investimentos.
Os relatórios Doing Business supõem que a qualidade das leis e regulações que regem o mercado possuem um papel decisivo no crescimento econômico. Baseado na observação da atuação de diversos sistemas jurídicos, eles objetivam demonstrar que as regulações mais rígidas produzem os piores resultados, porque são geralmente associados com a ineficiência dentro das instituições públicas, longos atrasos para alcançar uma decisão judicial, altos custos de formalidades administrativas, procedimentos judiciais lentos, maior desemprego e mais corrupção, pouca produtividade e menor investimento.
O relatório de 2004 chega às seguints conclusões, tudo relatado na síntese do início do relatório: (i) Países pobres regulam ao máximo o mercado, e, de acordo com o relatório, “países da common law regulam ao mínimo. Países dentro da tradição civilista francesa, regulam ao máximo. Entretanto, herança não é destino.”; (ii) Regulações mais rídigas trazem resultados ruins e, de acordo com o relatório, “regulação mais rídiga é geralmente associada com maior ineficiência nas instituições públicas e maior número de pessoas desempregadas e corrupção, menor produtividade e investimentos, mas sem ter maior qualidade de bens privados ou públicos.”; (iii) “Um tamanho serve para todos” - na maneira de regulação do mercado.
Numa tentativa de corrigir os erros do relatório de 2004, o relatório de 2005 discute a fundação de um empreendimento e, avalia a França como um dos “top 10 reformistas”, no capítulo 2. Essa avaliação foi baseada num estatuto específico, mas como notado por alguns autores franceses, o papel daquele estatuto em particular – que teria favorecido a criação de 14.000 empreendimentos – foi certamente sobre-avaliado. O relatório de 2006 viu a França relagada ao 44º lugar, atrás da Jamaica. A cobertura da mídia econômica retransmitiu a afronta e observou que este ranking estava em significante contraste com a economia francesa e o poder político do país mundo afora. No relatório de 2007, a França conquistou novos lugares, sendo avaliada em 35º, depois de Armenia. Os rankings de 2008 e 2009 foram um pouco mais favoráveis: 32º depois de Porto Rico, e 31º, depois de Israel, Latvia e Lituânia.
  1. Reações
Para se avaliar a força da reação francesa, deve-se ter em mente que a França possui uma forte tradição em exportação jurídica, profundamente enraizada na consciência dos juristas. O bicentenário do Código Civil, celebrado no mesmo ano da primeira publicação Doing Business relatando um grande número de países ao redor do mundo, ilustrou isto perfeitamente. Essa tradição profundamente enraizada de exportação jurídica pode ter tornado difícil aceitar que o direito francês poderia ser afetado por uma influência internacional, e para conceber o ordenamento jurídico francês em termos de transplantes legais, fertilização recíproca e hibridização. Entretanto, essas razões históricas e culturais sozinhas não explicam completamente a reação francesa, especialmente quando se tem em mente que a formação da União Europeia já tinha causado mudanças significativas na mentalidade francesa[8].
A intensidade e o vigor da reação francesa devem também ser explicados, após o choque inicial, pela visão de que o frustrante ranking do sistema jurídica francês foi baseada em imprecisões e exageros no primeiro relatório Doing Business. Parecia particularmente inaceitável sofrer a imposição de valores que sustentavam o relatório, e que eram estranhos àqueles sob os quais a sociedade francesa e todo o sistema jurídico foram construídos[9]. Ainda, a metodologia adotada pelos relatórios e seus resultados eram, e ainda são em partes, profundamente questionáveis, não obstante os definitivos avanços desde 2004.
As reações francesas foram portanto severas, mas elas também foram construtivas. Por outro lado, elas forçaram o Banco Mundial a revisar algumas de suas afirmações, em particular, a ideia de “um tamanho serve para todos”, enfatizado no relatório de 2004, que desapareceu nos relatórios subsequentes. No entanto, eles motivaram a França a modernizar o direito, e mais fundamental ainda, seu modo de pensar. A comunidade política e jurídica francesa imediatamente empenhou-se para recolocar a posição do direito francês na área em que tinha sido atacado pelo Banco Mundial, ou seja, na área da eficiência econômica.
Já em 2004, a Ordem de Paris organizou uma conferência em Washington entitulada “The American and French Legal Systems: contrasting approaches to global business”. Um ano depois, em Paris, a Ordem fez um enorme evento, chamada “Paris – Place of Law”, reunindo membros do governo francês (incluindo Christine Lagarde, Ministra do Comércio, agora Ministra de Finanças e Economia), representantes do Banco Mundial (Roberto Danino e Michal Klein), representantes de instituições internacionais, bem como Juízes, acadêmicos e outros.
Os relatórios Doing Business influenciaram as previsões das profissões jurídicas francesas do futuro. Em Abril de 2009, uma comissão presidida por um jurista, Maitre Jean-Michel Darrois, entregou um perspicaz relatório sobre a profissão jurídica ao Presidente francês[10]. Mesmo que isto não tenha sido uma resposta direta aos relatórios Doing Business, existe uma ligação entre os dois: o presidente francês Nicolas Sarkozy conferiu pessoalmente a tarefa a Maitre Darrois através de uma carta, na qual explicou os motivos de tal relatório e enfatizou que os advogados franceses (avocats), que expandiram seus campos de atuação, estão agora, mais do que nunca, frente à competição internacional que existe entre os sistemas jurídicos. A carta acrescenta que eficiência e eficácia jurídica se tornaram objetivos centrais para a economia francesa[11]. O relatório de Maitre Darrois contém um certo número de propostas direcionadas à redefinição da carreira advocatícia, através da criação de uma “profissão jurídica mais ampla” e por reforçar a influência do sistema jurídico francês mundo afora, seguindo o modelo anglo-americano.
Os notários tem sido particularmente afetados pelos relatórios Doing Business, principalmente porque os relatórios criticam a maneira francesa de se lidar com a transferência de propriedade. Os notários agiram e abordagam o Banco Mundial em diversas ocasiões, e em Setembro de 2006, o Presidente do Conselho Superior dos Notários (o órgão que representa os notários franceses) escreveu uma carta ao Primeiro-Ministro francês, expressando sua discordância com as afirmativas do relatório de 2007. Os notários franceses tem problemas essencialmente com a avaliação do relatório sobre a lei aplicável à transferência de propriedade, em particular com a afirmação de que ela causa atrasos nas transações. Eles corretamente explicam que, na França, o acte authentique de vente, estabelecido e assinado pelo vendedor e pelo comprador, bem como pelo notário, resulta na imediata transferência da propriedade imóvel com todas as consequências incluídas em tal transação. Na ocasião do XXV Congresso da União Internacional dos Notários Latinos (Madri, 2007), a importância dos setenta e cinco membros da união foi afirmada, bem como o conceito de que um ato notarizado é um instrumento legal que combina equidade com funcionalidade, ao contrário do que diz o relatório Doing Business[12].
O Judiciário francês também mostrou-se preocupado. Não apenas o Presidente da Cour de Cassation fez referência aos relatórios Doing Business em seu discurso em Janeiro de 2005 nesta Corte (a mais alta corte francesa em direito privado), mas a Corte também investigou o impacto econômico de uma decisão superior. A preocupação também foi demonstrada nas cortes administrativas[13]. Além disso, uma série de reuniões foi inaugurada em 2004 pelo Regulations Chair of Sciences Politiques (o Political Studies Institute of Paris, uma das instituições de elite do ensino privado) e pela Cour de Cassation, voltada à análise econômica do direito; o que levou à publicação de uma série de artigos e livros, um dedicado aos Bancos e outro oferencendo reflexões gerais sobre direito, economia e justiça[14].
Entre as reações que os relatórios do Banco Mundial provocaram na França, deve-se também mencionar o lançamento, pelo antigo Ministro da Justiça Dominique Perben, de um grupo de pesquisa internacional, entitulado “The Economic Attractiveness of Law” (Atratividade Econômica do Direito), bem como o estabelecimento da Fundação para o Direito Continental, que adotou um novo programa com objetivos similares assim que mandato para o primeiro grupo expirar.
A “Economics Attractiveness of Law” (AED) foi um programa de pesquisa designado para demonstrar a efetividade de certos instrumentos legais criados pela lei positividada, em particular dentro do sistema jurídico francês. Para esse propósito, objetivava demonstrar que a diversidade dos instrumentos legais disponíveis para o setor econômico poderia levar à maior eficiência, desde que aqueles instrumentos fossem designados a garantir uma sólida segurança jurídica, para que possam ser mais favoráveis às transações econômicos do que uma padronização apressada. Este programa mobilizou por volta de cem juristas e economistas trabalhando em aproximadamente dez projetos e criou uma nova dinâmica de projetos de pesquisa interdisciplinares investigando a relação entre economia, direito e as instituições. O coordenador científico e chefe do projeto era Bertrand du Marais, membro do Conseil d’Etat. O programa era supervisionado por um conselho científico de trinta renomados cientistas, juristas e economistas internacionais, os quais tinham a tarefa de conferir a coerência dos projetos e a qualidade científica dos resutlados. Dentro os livros e artigos que foram publicados, um é entitulado “Indicadores a fim de medir o Direito? Os limites metodológicos dos relatórios Doing Business”[15]. Ele examina a confiabilidade dos indicadores utilizados para analisar a atratividade econômica do direito e tece uma análise crítica aos indicadores específicos utilizados nos relatórios Doing Business. Também contém comentários sobre o desenvolvimento e utilização de questionários, com sugestões para melhoria.
A Founadtion pour le droit continental foi lançada em 2005 pelo Ministro da Justiça da França parcialmente como uma reação aos relatórios Doing Business do Banco Mundial. Os órgãos de regulamentação das profissões jurídicas francesas, junto com instituições públicas, apoiaram a Fundação. Acadêmicos de todo o mundo (até mesmo de países da common law, como os Estados Unidos, Canadá e Austrália) estão envolvidos como membros do conselho científico. Com o apoio desta Fundação, os juristas organizaram uma conferência internacional entitulada “Direito Continental e a Crise Financeira Global – Contribuições para uma melhor regulação”, em Maio de 2009. Ela ocorreu no próprio Banco Mundial, em Washington, para introduzir conhecimentos da profissão jurídica francesa para uma audiência de americanos. Um segundo dia foi dedicado a tópicos especícos, tal como a gerência de parcerias público-privado e a posição dos juristas continentais com relação aos relatórios Doing Business do Banco Mundial.
Em Setembro de 2007, a Fundação iniciou um novo programa de pesquisa: “Depósito de Ideias sobre Eficiência Econômica do Direito”. O programa, dirigido pelo Professor Arnaud Raynouard, iniciou uma série de projetos de pesquisa no tocante à relação entre direito e economia. Os resultados da pesquisa aparecem numa série de artigos. O grupo também analisa a possibilidade de novos indicadores de eficiência econômica, em particular, um índice que possa medir a segurança jurídica.
Nos últimos anos, um grande número de acadêmicos e juristas discordaram dos relatórios Doing Business em diversos pontos e criticaram a escola Law & Economics que a inspirou. Alguns críticos estabeleceram uma lista de instrumentos de atuação utilizados pelo direito francês; para outros, a reação foi mais geral e baseada em princípios. É impossível elencar todas as críticas aqui, mas o criticismo emergente da Association Henri Capitant des Amis de la culture juridique française deve ser mencionada em profundamente, em razão de ir na raiz da questão: o direito é uma disputa econômica?

  1. A análise crítica desenvolvida pela Associaton Henri Capitant des Amis de la culture juridique française
A Association Henri Capitant publicou dois trabalhos coletivos sobre os relatórios Doing Business, um escrito por acadêmicos franceses, advogados e notários, e outro por membros não-franceses da associação, formada por acadêmicos e Juízes de uma vasta jurisdição: Bélgica, Brasil, Bulgaria, Chile, Colombia, Espanha, Grécia, Guatemala, Índia, Itália, Libano, Estado da Louisiana, Marrocos, Méximo, Panama, Holanda, Porto Rico, Quebec, Romenia, Suíça, Síria, Tunísia e Vietnam[16]. Os autores são mais críticos quanto à metodologia do Doing Business. Nós vams dar uma descrição detalhada do primeiro livro aqui, por dois motivos: primeiro, este volume esclarece a reação dos juristas franceses contra o relatório Doing Business 2004; segundo, porque um de nós teve participação ativa ao redigir este trabalho coletivo e, portante, pode compartilhar os argumentos apresentados nele.
O primeiro volume questiona a metodologia utilizada pelos relatórios. O capítulo 1 critica o fato de que os autores do relatório do Banco Mundial são economistas e não juristas, portanto possuem uma percepção do direito que é distorcido pela utilização de métodos econométricos baseadas na análise dos fatores de desenvolvimento. Apesar de inicialmente parecer ser científico por natureza, o objetivo por trás do estudo parece ser uma promoção tendenciosa dos países da common law para conquistar o mercado jurídico às custas de outras famílias jurídicas, referidas como famílias de tradição francesa civilista nestes relatórios. Todos os comparatistas irão imediatamente ver que a óbvia visão dicotômica desta relação – common law versus civil law francesa – sob a qual estes relatórios são baseados, falham em considerar os casos de hibriditização que permitem a coexistência de ambas tradições dentro de um mesmo sistema jurídico[17]. Comparatistas sabem bem que o direito está constantemente dentro de processos de internacionalização e europeialização. O capítulo II examina outros numerosos erros, alguns dos quais foram corrigidos no relatório de 2005.
O capítulo III relata então as vantagens da tradição do civil law francês. Isso pode soar cauvinista ou paroquial, mas deve-se enxergar essa defesa dentro de seu contexto: não seria necessário insistir em demonstrar que o direito francês (ou a tradição francesa civilista) é estruturalmente capaz de encorajar a prosperidade econômica; que o modelo é perfeitamente cabível para exportação; e que até possui uma vantajem considerável: ele é codificado[18]. Como apontado no livro, a codificação é agora frequentemente utilizada até mesmo nos sistemas de common law, pelo menos na forma de compilações oficiais ou privadas, Codes, Revised Laws ou Consolidated Laws. Este fenômeno comprova a necessidade de codificação e diminui consideravelmente a distância artificialmente criada pelos relatórios Doing Business entre a common law e a civil law. A afirmação de que fontes escritas da lei não são tão flexíveis como o direito casuístico é discreditado, por um lado, pela rigidez do precedente (dificilmente suavizado ou modificado por uma evolução caso a caso) e, por outro lado, pela quase permanente reforma legislativa. De fato, é a baixa expectativa de vida das novas leis que atrai os reclamantes, ao invés de suas ossificações. No mais, os Juízes franceses, como muitos outros, tem o poder de interpretar a lei, ou até mesmo de desviá-la, se necessário. Na realidade, o poder da common law (mais precisamente o direito norte-americano e o direito inglês) pode ser explicado por uma série de fatores extrínsicos: pelo liberalismo da economia norte-americana, o papel dominante da língua inglesa ao redor do mundo, o sucesso das firmas jurídicas anglo-americanas, enquanto que a profissão jurídica francesa, dividida entre avocats, notaires, conseils juridiques, etc., encontra-se em desvantagem; aunda, existe ainda a política de exportação do direito norte-americano com sua forte influência nas instituições. Note que à luz da atual crise financeira global, esses fatores provaram ser mais ambivalentes do que previamente afirmados.
O capítulo IV critica as premisas básicas dos relatórios Doing Business. A principal objeção é que o direito não é meramente um “ambiente regulatório favorável”. Portanto é errôneo avaliar a qualidade de um determinado sistema jurídico apenas em seu contexto de prosperidade econômica desfrutada pela sociedade em que opera. Consequentemente, os juristas não devem entregar suas profissões aos economistas que, excitados pela ideia de declarações matemáticas, advogam pela standartização jurídica universal, como na abordagem “um tamanha serve para todos”. O direito do mais rico não é necessariamente o melhor.
Como explicado no trabalho da Association Henri Capitant, o direito francês é humanístico por natureza, protegendo os direitos individuais. Ele teve um papel-chave na Europa e no mundo todo dentro da disseminação dos direitos humanos fundamentais. O Código Civil tem inspirado a crença de que o direito existe, em primeiro lugar, para proteger a paz social e a liberdade e vontade dos cidadãos[19]. Para países que desejam reestabelecer a ordem e a paz social, especialmente aqueles que tentam se livrar de um regime opressivo, o Código Civil continua sendo um modelo inavaliável, capaz de garantir uma sociedade com “estrutura jurídica necessária para sua operação”[20]. O volume encerra clamando por diversidade jurídica (um tamanho não serve a todos) e com a recusa por parte dos autores, dentro e fora da França, em reduzir o direito a um “ambiente de regulação favorável”.
Ao lado destas reflexões acadêmicas sobre os méridos da tradição civilista francesa, investidores franceses garantiram um diálogo aberto com a equipe do Banco Mundial responsável pelos relatórios para sugerir melhorias em seus métodos e questionários, e modificações de certos indicadores. Por terem sido feitos por economistas, e em razão da maior influência na economia ser imanada dos Estados Unidos, esses questionários foram tendenciosos em favor da common law desde o início. As respostas a esses questionários também levantaram algumas críticas. Eles são algumas vezes imprecisos, dados por pessoas identificadas ou por pessoas que não estavam cientes das últimas reformas. No mais, com relação a certas áreas, a amostra de pessoas que responderam foi insuficiente; por exemplo, uma grande firma multinacional garantiu as respostas para todos os países em questões tributárias. Outro assunto preocupante é a forma em que as informações são processadas pela equipe do Banco Mundial. De fato, é difícil saber até que ponto as reformas foram de fato levadas em conta num banco de dados país-por-país. Ainda, algumas afirmações falsas nunca foram corrigidas. A mais óbvia pertencia à transferência de propriedade: a primeira resposta, que era bem detalhada, descrevia todo o processo em lentidão, o que é o porque, como foi observado pelos notários, da França ter sido classificada de forma tão prejudicial neste aspecto. De forma mais generalizada, a escolha dos indicadors e seus números limitados tem sido criticados por falhar ao refletir a habilidade de se “fazer negócios” (do business), porque eles negligenciam o ambiente favorável sócio-econômico que encoraja as empresas a se instalarem na França.
Cinco anos após a publicação do primeiro relatório Doing Business, constata-se que a França não está mais sozinha em sua batalha contra a abordagem inflexível à econômica e à comparabilidade política. Em primeiro lugar, o relatório do Independent Evaluation Group (IEG) publicado em 2008 sobre o Banco Mundial tem atraído criticismos e recomendações sobre os mesmos pontos expressados pela França desde o início da saga Doing Business. A avaliação recomenda mais transparência, confiabilidade, e diversidade com relação aos informantes. Mudanças também são sugeridas para o processo de coleta e utilização das informações, bem como correções de dados publicados e modificações da própria metodologia. Ainda mais, o relatório IEG recomenda que o Doing Business também meça progressos além de somente aqueles de relacionados aos custos de regulação e encargos, “que é apenas uma dimensão de qualquer reforma geral do clima de investimentos”[21]. No mais, em outros países, e particularmente nos Estados Unidos, vozes podem ser ouvidas denunciando alguns indicadores, especialmente no setor trabalhista[22]. De fato, utilizando o Employing Workers Indicator (EWI), as melhores posições foram dadas aos países que tem a menor quantidade de regulações trabalhistas em áreas como salário mínimo, limite de horas semanais, aviso prévio e indenização. Portanto, não tem ocorrido falta de criticismos em muitas partes do mundo. O que, em última análise, torna a reação francesa única, entretanto, é que ela foi rápida, espalhando-se rapidamente no meio jurídico, o que levou a uma nova avaliação dos méritos da análise econômica do direito (law and economics).
II. O IMPACTO DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA FRANÇA
Ao lado das objeções com relação à metodologia utilizada pelos autores dos relatórios Doing Business, existe a questão do impacto da análise econômica do direito na França, e mais especificamente, no direito comparado. O tema não é novo. Entretanto, a forma com que o Banco Mundial tem recorrido a instrumentos de análise econômica, a fim de avaliar e classificar os diferentes sistemas jurídicos, promoveu um novo tipo de debate. A metodologia econômica gerou novas dúvidas e até abriu novos debates sobre a relevância da metodologia tradicionalmente empregada ao direito comparado.
  1. A relação entre Direito e Economia
Direito e Economia não tem sido sempre tratados como dois campos de estudo incompatíveis na França. Juristas há muito tempo já abraçaram a ciência econômica: em 1877, a ciência econômica foi introduzida como disciplina dentro do currículo[23] dos dos cursos de Direito na França e o ensino da Economia dentro dos Departamentos de Direito cresceu em níveis mais fortes hoje. Além do mais, um crescente número de juristas na França tem interesse na abordagem interdisciplinar. Os acadêmicos concordam que os aspectos econômicos não devem ser subestimados ao se analisar o direito como um instrumento de moldagem da vida econômica e social[24].
Ainda, os argumentos econômicos são aceitos somente dentro de uma extensão limitada. Acadêmicos franceses geralmente possuem reservas consideráveis à ideia de performance econômica “de si e para si mesmo, a qualquer preço, e a curto prazo”[25]. Na prática, os Juízes não ignoram este aspecto[26]. Da perspectiva dos agentes econômicos, ela se torna prioridade, com a necessidade de ser protegida pelo direito, garantindo-se a liberdade de se negociar[27]. Finalmente, longe de ser rejeitada pelos acadêmicos franceses, a questão da eficiência econômica do direito permanece na frente das preocupações dos juristas. Isto também é verdade com relação ao legislador, que está em constante busca pelas soluções favoráveis para os problemas da vida econômica[28].
Ao observar-se o movimento da Análise Econômica do Direito nos Estados Unidos na década de 60, como fundado especialmente por Coase e Calabresi, deve-se ter o conhecimento de que no princípio, ela não atraiu o apoio dos juristas franceses. A hesitação francesa surgiu principalmente em razão da inerente perspectiva utilitarista[29] adotada pelo movimento. Esta perspectiva é incompatível com a visão francesa do direito como uma ciência destinada a servir ao homem de forma mais geral e a promover a harmonia social. De fato, os acadêmicos franceses tem amplamente sido relutantes em aceitar qualquer coisa economicamente útil e, portanto, justa; e, a fortiori, em aceitar que a análise econômica do direito deveria ter um impacto normativo. A ideia da performance econômica do direito, que decorre da análise econômica, coloca-se em contraste com a abordagem humanística, característica dos sistemas de civil law[30].
Não obstante, a análise econômica do direito continua a disseminar sua influência e autores desta escola tem hoje a possibilidade de estabelecer um diálogo real com juristas tradicionais[31]. Tal intercâmbio só pode beneficiar ambas as partes uma vez que as especificidades de cada área e seus modos de raciocínios forem preservados. Acadêmicos franceses tem geralmente aceitado as teorias da Análise Econômica do Direito quando são apresentadas as abordagens descritivas, ao invés da abordagem normativa[32]. A pretensão normativa nos leva a uma inversão da ordem de valores e coloca o critério econômica à frente do elemento essencial do direito, que é, dentro da perspectiva tradicional francesa, a busca da justiça (equidade). Na sua dimensão descritiva, entretanto, a Análise Econômica do Direito pode fornecer uma valiosa contribuição aos estudos jurídicos. A busca da melhor performance econômica é, de fato, um fator importante na determinação de que se uma lei é justa e equilibrada; da mesma forma, a análise econômica pode atuar como uma ferramenta útil no estudo do direito comparado.
  1. O impacto da análise econômica no Direito Comparado
As ferramentes da análise econômica podem ser úteis, e até mesmo necessárias, no estudo comparativo das regras jurídicas. De um lado, elas fornecem elementos de análise que permitem examinar os interesses econômicos subjacentes à qualquer organização levada em consideração. Dentro de um contexto de crescente competição internacional, a integração da dimensão econômica dentro dos estudos de direito comparado é quase inevitável. A internacionalização e o peso da competição global tornaram-se tão importante que é crucial para os países determinarem quais condições são as mais favoráveis para o desenvolvimento econômico. A performance econômica, incluindo aquela dos sistemas jurídicos, tornou-se um fator decisivo ao definir a influência internacional. Após o desenvolvimento de um forum shopping no campo do direito internacional privado, e também de intensa competição tarifária, a rivalidade econômica afeta todos os sistemas jurídicos globalmente. Por outro lado, o método estatístico prova ser uma ferramente simples e ágil para comparar diferentes sistemas jurídicos e suas habilidades de atingir as demandas de um mercado global competitivo. A complexidade do método comparativo tradicional contrasta com a simplicidade quase desconcertante dos critérios matemáticos de condução de uma análise econômica[33].
Sob estas condições, pode haver uma forte tentação em substituir a análise econômica do direito pela abordagem comparativa mais tradicional. Mas ainda há um obstáculo: a análise econômica sofre de um inúmeras deficiências[34] e o método comparativo tradicional é, em si, útil, e até necessário, para complementar a abordagem econômica.
A perspectiva mais qualitativa da abordagem comparativa permite que a análise econômica quantitativa seja refinada e permite que o estudo dos diferentes sistemas atinja uma maior profundidade. Primeiro, a abordagem funcional do direito comparado identifica diversas regras, sejam elas procedimentais ou substancialistas, que cumprem com o objetivo econômico. O comparatista, neste sentido, garante ao economista o assunto básico para seu estudo. A afirmação de um economista só pode ser significativa uma vez que todos os diferentes meios legais de se atingir determinar resultado tenham sido considerados. O comparatista então contribui para uma melhor capacidade analítica do economista e torna sua análise mais credível. Em segundo lugar, o comparatista também intervem a posterior, para completar sua análise econômica, por exemplo, explicando as razões para as diferenças de avaliações que podem ocorrer. No mais, a abordagem mais holística pode suavizar o rigor matemático de uma análise puramente econômica. É um fato que o direito está intimamente ligado com as particularidades culturais de um país e deve considerar a realidade complexa do homem vivendo em sociedade. Por isso qualquer comparação, mesmo se ela é mais especificamente direcionada à performance de um sistema, requer que as dimensões filosóficas e sócio-políticos, bem os valores paradigmáticos do sistema jurídico, sejam levados em consideração[35]. Os economistas podem melhorar de forma significante a qualidade de suas pesquisas se prestarem mais atenção ao detalhe cultural.
Tendo isto em mente, teremos, sem surpresas, que a tese das origens jurídicas deve ser amplamente contestada do ponto de vista comparatista francês. Embora tenha-se o fato de que ela é baseada em afirmações que são puramente econômicas, e portanto incompletas, ela no máximo estabelece a correlação entre desenvolvimento econômico global e os respectivos sistemas jurídicos, seja civil law ou common law. A correlação, entretanto, não estabelece uma relação causal – ela meramente pressupõe uma. Cuidadosas análises comparativas já apontaram as deficiências de algumas afirmações apresentadas. Ademais, a tese das origens jurídicas baseia sua análise na classificação dos sistemas jurídicos divididos entre famílias jurídicas, as quais são em geral ultrapassadas. A globalização do direito e suas mutáveis fronteiras requerem uma nova abordagem a novas análises[36].
Ainda, a atenção que a tese das origens jurídicas tem atraído trará necessariamente algum impacto sobre o direito comparado. A tese tem demonstrado a importância de incluir critérios econômicos e essa percepção pode levar a uma melhor e mais adaptada visão comparativa. Em outras palavras, o direito comparado (ou comparativo) deve evoluir para uma ciência mais abrangente e prática, verdadeiramente preparada para ação e pronta para lidar com os problemas criados pela crescente globalização econômica.
Essa compreensão irá gerar novas atividades no direito comparado, geralmente considerada como sendo uma “disciplina auxiliar” na França[37]. Dentre os que apoiam a abordagem normativa da análise econômica e os que apoiam uma abordagem complexa do direito comparado, a atenção que os comparatistas estão dando à análise econômica deve permitir um encontro entre mentes que revitalizará no direito comparado uma forma mais prática e orientada para a reforma do estudo da evolução das regras jurídicas e das instituições.


[1] Publicado originalmente com o título “Is Law an Economic Contest? French Reactions to the Doing Business World Bank Reports and Economic Analysis of the Law” na American Journal of Comparative Law, Vol. 57, 2009, disponível em http://comparativelaw.metapress.com. Versão traduzida com a permissão das autoras (via e-mail).
[2] Professora de Direito da Universidade Panthéon-Assas, Paris.
[3] Pesquisadora convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown.
[4] Bacharelando em Direito pela Univerisdade Estadual de Maringá (PR) e pesquisador pelo programa PIC/UEM, e-mail: rafa_zanatta@hotmail.com
[5] Yves-Maria Laithier, Droit compare, Dalloz, 2009, p. 16.
[6] Para uma declaração crítica sobre a atratividade econômica do direito francês, ver Xavier Lagarde, Brèves réflexions sur l’attractivité économique du droit des contrats, 2005 Recueil Dalloz 2745.
[7] Cf. L’analyse ´economique du droit des contrats: outil de comparaison, facteur d’harmonisation, 2005 Gazette du Palais n° 68-69; Marie-Anne Frison-Roche, Les grandes questions du droit ´economique. Introduction et documents (collection Quadrige, PUF 2005); Olivia Dufour, Le droit fran¸cais, un bon produit d’exportation!, 973 Option Finance 20 (25 March 2008); Jean-Marc Ba¨ıssus, Nous n’avons pas `a craindre la comp´etition des syst`emes juridiques, 2007 JurisClasseur P´eriodique, ´edition g´en´erale, n° 24, I, 162 (13 June 2007);
[8] Bénédicte Fauvarque-Cosson e Sara Patris-Godechot, Le Code civil face à son destin, Documentation française, 2006.
[9] Yves Lequette, D’un centenaire à l’autre (1904-2004) in Yves Lequette et Laurent Leveneur (dir.), 1804-2004 Le Code civil, un pass´e un pr´esent un avenir, Paris, Dalloz, 2004, p. 19 s., sp. p. 35.
[10] Rapport sur les professions du droit, March 2009 (“Darrois report”), available at www.justice.gouv.fr/art_pix/rap_com_darrois_20090408.pdf.
[11] O relatório completo e a carta do presidente francês podem ser visualizados aqui http://www.justice.gouv.fr/art_pix/rap_com_darrois_20090408.pdf, sp. p. 125.
[12] Cyril Nourissat, Le Notariat: institution mondiale . - XXVe Congr`es de l’Union internationale du Notariat latin Madrid, 3-5 octobre 2007, 2007 La Semaine Juridique Notariale et Immobili`ere, 1307.
[13] Jean-Fran¸cois Calmette, L’´evolution de la prise en compte de l’analyse ´economique par le juge administratif, 2006 Droit Administratif, n°. 7, Etude 14 (July 2006).
[14] Guy Canivet, Bruno Deffains, Marie-Anne Frison-Roche (dir.), Analyse économique du droit: quelques points d’accroche, Petites Affiches 19 May 2005, n° spécial 199; Les banques entre droit et ´economie (Marie-Anne Frison-Roche, Jean-Paul Betbéze, Christian Bordes, Guy Canivet eds., LGDJ, 2006); Droit et économie des contrats (Christophe Jamin ed, LGDJ 2008).
[15] Bertrand du Marais, Didier Blanchet, Anna Dorbec, Des indicateurs pour mesurer le droit? Les limites m´ethodologiques des rapports Doing Business (Paris, La documentation fran¸caise, Collection Perspectives sur la justice, 2006)
[16] Vol. 2 Association Henri Capitant des amis de la culture juridique fran¸caise, Les droits de tradition civiliste en question. A propos des rapports Doing Business (2006). Adde Revue de Droit des Affaires, n° 3, 2005, ´ed. Universit´e Panth´eon-Assas.
[17] Blandine Mallet-Bricout, Libres propos sur l’efficacité des systémes de droit civil, 2004 Revue internationale de droit comparé 865.
[18] Xavier de Roux, Le Code civil reste un outil privilégié, La Tribune, 18 March 2004: “Le Code civil crée d’abord la sécurité juridique, il sait s’adapter aux ´evolutions de la société. Facile a lire, clair dans ses énoncés, il est par nature même d’ ssence démocratique. La méthode qu’il utilise, non seulement a fait ses preuves, mais devrait rester pour le législateur un modéle. Il est désormais accessible sur Internet en anglais et en espagnol. Il doit rester pour le juriste et pour longtemps l’outil privilégié”.
[19] Jean Carbonnier, Droit civil, Introduction § 74 (2004); JOHN BELL, SOPHIE BOYRON & SIMON WHITTAKER, PRINCIPLES OF FRENCH LAW 1-10 (2d ed. 2008).
[20] Pierre Delvolvé, Conclusion générale, in II Journée d’étude à l’occasion du bicentenaire du Code civil, Le rayonnement du droit codifi´e, Journée du 26 novembre 2004. 369, 380.
[21] IEG Report, Doing Business: an independant evaluation, Taking the measure of the World Bank-IFC doing Business indicators, sp. xvii and xxii (2008), available at http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/EXTOED/EXTDOIBUS/0,,contentMDK:21679357~pagePK:64829573~piPK:64829550~theSitePK:4663967~isCURL:Y,00.html.
[22] ITUC, World Bank’s Doing Business Makes Unsubstantiated Assertions, Rewards Countries, M2 Presswire, 10 September 2008; Trade unions condemn Doing Business 2008: Once again, World Bank gives excellent “Employing Workers” scores to countries that violate workers’ rights, M2 Presswire, 25 September 2007.
[23] Um decreto de 26 de Março de 1877 tornou a ciência econômica disciplina compulsória. Cf.: Yves Chaput, Droit et ou Economie francophone, la quadrature du cercle par le DGR 2327, 16 Revue Internationale de droit economique 125, 129 (2002).
[24] Em particular, François Zenati, Le droit et l’economie au-delà de Marx, in Droit et Économie, 37 Arch. Phil. Dr. 121 (1992), no qual o autor demonstra que existem estreitas ligações entre Direito e Economia nas sociedades modernas.
[25] Ass. Capitant, Les droits de tradition civiliste en question, nº 112, p. 127; Marcel Fontaine, Fertilisations croisées du droit des contrats, in Le contrat au début du XXIé siécle, Études offertes à Jacques Ghestin, LGDJ, 2001, p. 347 e seguintes, esp. nº 8: “Si elle est perçue comme un instrument additionnel, non exclusif, de l’analyse juridique, l’approche économique présente le plus grand intérêt” (Se ela é percebida como um instumento adicional, não exclusivo, da análise jurídica, então a presente abordagem econômica é mais interessante). Acadêmicos recusam-se a considerar a eficiência como um conceito, Cf.: Arnaud Raynouard, Faut-il avoir recours à l’analyse èconomique du droit (AED) pour assurer l’efficacité économique du droit?, 2008 Revue de la Recherche Juridique – Droit Prospectif 2509, 2510, disponível em http://www.crdp.umontreal.ca/fr/publications/ouvrages/Revue_recherche_juridique.pdf.
[26] A noção de “politique jurisprudentielle” (política jurisprudencial) apareceu na França como “o que mostra a adaptação do direito casuístico às condicionantes econômicas e sociais”. Guy Canivet, Nicolas Molfessis, La politique jurisprudentielle, in La création du droit jurisprudentiel, Mélanges en l’honneur de Jacques Boré 79 (2007), esp. nº 8. Na prática, o criterio de eficiencia no direito privada aparece mais e com mais frequência como uma útil ferramenta ao magistrado, particularmente com relação à interpretação de contratos, ou como critério para avaliar se a decisão de gerentes corporativos conforma-se com os interesses da compania. Cf.: Anne-Julie Kerhuel, L’efficience stratégique du contrat d’affaires nº 112 s. (PUAM 2009); ver também Bruno Oppetit, Le rôle du juge en présence des problèmes économiques en droit civil français, in XXII Le rôle du juge en présence des problèmes économiques 185, 186 (Ass. Capitant ed., 1970).
[27] A liberdade de negociar é um princípio de valor constitucional, como foi declarado por algumas decisões do Conseil Constitutionnel, por exemplo Cons const. 12 janvier 2002, nº 2001-455 DC, Loi de modernisation sociale, considérant nº 49; La Semaine Juridique édition Entreprises, 27 mars 2003, nº 492, p. 558, note Julien Raynaud. Sobre a influência desta liberdade sobre outros princípios como liberdade contratual, Cf.: Marie-Anne Frison-Roche, Thierry Revet (dir.) Libertés et droits fondamentaux, 2007, 13éme éd., Dalloz, cll. CRFPA, p. 711 s., De fato, a liberdade contratual geralmente é protegida especificamente.
[28] A ideia de tornar o direito francês mais atrativo tem sido um ímpeto para recentes reformas. Por exemplo, a “Loi de sauvegarde des entreprises” (loi nº 2005-845) de 26 de Julho de 2005, desenhada para melhorar a antecipação de dificuldades econômicas, a lei de modernização da economia (nº 2008-776) e o projeto de reforma do direito contratual, que está sendo considerado no momento, todos estão tentando promover a atratividade do direito francês.
[29] O aspecto utilitarista resulta de fato de que o fator eficiência é visto como a principal característica. Os princípios de justiça social são portanto subordinados à máxima utilidade econômica. Neste aspecto, Cf.: Jacques Ghestin, L’utile et le juste dans les contrats, 1982 Recueil Dalloz 1, no qual o autor demonstra o papel limitado de um aspecto particular da utilidade de um contrato dentro da teoria geral, no qual o aspecto obrigacional é baseado no consenso inicial das partes contratantes.
[30] Nota-se que a análise econômica é mais aceitável em sua função normativa em sistemas de common law, no qual “proporciona um standard normativo na ausência de precedentes e auxilia a estruturar o vasto campo de direito casuístico” Florian Faust, Comparative Law and Economics Analysis of Law, in The Oxford Handbook of Comparative Law 837, 858 (Mathias Reimann & Reinhard Zimmermann eds., 2006).
[31] O recente trabalho de Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau, L’analyse économique do droit (Dalloz, 2008) proporcionou um debate real e resultou num renovado interesse entre acadêmicos a discutir a questão dos elementos econômicos no direito.
[32] Tal constatação corrobora a abordage positiva adotada por Posner, Cf.: Marc Deschamp e Fréderic Marty, L’analyse économique du droit est-elle une théorie scientifique du droit?, Revue de la Recherche Juridique – Droit Prospectif, 2008-5, 2550. Neste primeiro caso, a análise econômica tem um papel essencialmente descritivo. Em outras palavras, os resultados econômicos são meramente um indicativo para o legislador. No segundo caso, a influência do análise econômica é mais forte ao ponto que os critérios econômicos tornam-se ingredientes a serem levados em consideração ao se criarem novas regras.
[33] Cf. Ralf Michaels, The Second Wave of Comparative Law and Economics? University of Toronto Legal Journal, 59, esp. 209 e 212 (2009) e a resposta de Gillian Hadfield, The Strategy of Methodology: The Virtues of being Reductionist for Comparative Law, University of Toronto Legal Journal, 59, esp. 228 (2009). O desafio da complexidade no mundo modern tem sido tratado, a partir de uma perspective filosófica, por Edgar Morin, Introduction à la pensée complexe, éd. ESF, 1990.
[34] De fato, o critério econômico geralmente, se não sempre, mostra os limites da ciência econômica, que estabelece critérios, conceitualiza e simplifica a extremos enquanto esquece importantes aspectos que podem ser muito mais complexos. Dentre diversas publicações, de economistas e juristas, Cf.: Alain Bernard, Law and Economics, une science idiote?, Recueil Dalloz 2008, p. 2806 e seguintes.
[35] O reconhecimento deste aspecto fundamental associado a qualquer sistema jurídico tem levado alguns autores a rejeitar a idéia de uma possível concorrência entre os diferentes sistemas jurídicos. Cf. Darrois Report, disponível em http://www.justice.gouv.fr/art_pix/rap_com_darrois_20090408.pdf, esp. 7; Pierre Legrand, The impossibility of “Legal Transplants” 4 Maastricht Journal of European and Comparative Law 111 (1997).
[36] Jean-Loius Halpérin, Profils des mondialisations du droit (Dalloz 2009).
[37] Xavier Blanc-Jouvan, Prologue, in L’avenir du droit comparé 10, 15 (2000).



A ABORDAGEM LEGALISTA DA MEDIAÇÃO NA ITÁLIA ATRAVÉS DO DECRETO LEGISLATIVO N. 28/2010

Rafael Augusto F. Zanatta[1]

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo examinar as três abordagens da mediação estabelecidas por Giuseppe De Palo (2005) no contexto europeu, analisando especificamente a abordagem legalista italiana, a partir do esforço legislativo em tentar promover a mediação na Itália, notadamente a partir de 1991, culminando com a promulgação do Decreto Legislativo n. 28/2010, atentendo aos requisitos da Diretiva 58/2010 do Parlamento Europeu. Questiona-se, portanto, a efetivade das normas italianas, em face à ausência da cultura de negociação dos juristas italianos.

Palavras-chave: Mediação, Abordagem Legalista, Mediação Italiana, Decreto Legislativo n. 28/2010.

ABSTRACT

The present article aims to analyse the three different approaches to mediation established by Giuseppe de Palo (2005) in the European context, specifically examining the legalist approach in Italy, from the legislative effort in promoting mediation in Italy, especially after 1991, culminating with the enactment of the decreto legislativo n. 28/2010, fulfilling the requirements demanded by the Directive 58/2010 of the European Parliament. It questions, therefore, the effectiveness of the Italian rules, in spite of the absence of the negotiation culture of the Italian lawyers.

Key-words: Mediation, Legalist approach, Italian Mediation, Decreto Legislativo n. 28/2010.

INTRODUÇÃO

A Mediação, em termos gerais, pode ser analisada como um processo novo, em termos de emergência no contexto jurídico, mas antigo, em termos de universalidade atemporal (ALEXANDER, 2003). O moderno procedimento de mediação como forma de solução alternativa de conflitos, tal como posto hoje, é fruto de um movimento surgido na década de setenta nos Estados Unidos, também conhecido como Alternative Dispute Resolution (ADR), o qual expandiu-se para o Reino Unido na década de oitenta e para os países romano-germânicos (civil law) a partir da década de noventa.

A União Europeia, especificamente, tem aumentado seu interesse em meios alternativos de solução de conflito. Prova disso é a publicação em 2002 de materiais de discussão sobre mediação e arbitragem em conflitos cíveis e comerciais, ressaltando a importâncias dos meios alternativos de solução de conflito e de seus potenciais de utilização pelos Estados-Membro (BILLIET, 2008).

A discussão no âmbito Europeu culminou com a Diretiva 58/2008, que estabeleceu parâmetros para a implementação do procedimento de mediação pelos Estados integrados na União Europeia.

Dentre os países que implementaram mudanças legislativas, a Itália se destaca como uma das nações que mais aprovou leis sobre mediação e solução alternativa de conflitos, promulgando recentemente, através de seu Parlamento, o Decreto Legislativo n. 28, de 4 de Março de 2010, que estabeleceu a utilização compulsória do procedimento de mediação em litígios cíveis e comerciais, bem como positivou procedimentos da mediação e determinou conceitos para a melhor compreensão de tal procedimento de solução de conflitos.

Entretanto, apesar das inúmeras mudanças na legislação italiana desde o início da década de noventa, poucas mudanças efetivas ocorrem na cultura jurídica do país, que empiricamente tem evitado a utilização da mediação (DE PALO, 2005).

Neste artigo, analisaremos alguns possíveis fatores para a inefetividade da mediação na cenário italiano dentro da abordagem legalista. Neste viés, observaremos o contraste que existe na Itália entre a produção legislativa em prol das soluções alternativas de conflito e as ações públicas que visam modificar a cultura litigante italiana.

Com tal análise, objetiva-se trazer a discussão também para o âmbito brasileiro, considerando a proposta do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil em implementar a mediação pré-judicial obrigatória em casos cíveis e comerciais.

AS DIFERENTES ABORDAGENS DA MEDIAÇÃO NA EUROPA

Giuseppe De Palo, doutrinador italiano e professor da Hamline University School of Law, em St Paul, Minnesota, estabelece três abordagens distintas da mediação na Europa: a cultural, a pragmática e a legalista (DE PALO, 2005).

A primeira, cultural, é o modelo adotado unicamente pela Suíça, seguindo o modelo educacional estaduniense, através de treinamentos em mediação oferecidos por instituições públicas e privadas, bem como inúmeros programas especializados em treinamento comercial de mediadores. Como resultado, o processo de mediação é bem conhecido em todo o país (MEIER, 2003).

A abordagem pragmática, por outro lado, é aquela presente na Holanda e Dinamarca, caracterizada por projetos pilotos a longo-prazo para implementação da mediação, com o apoio dos Tribunais e do sistema judiciário. Tais ações práticas são acompanhadas por esforços educacionais e conscientização dos benefícios da mediação, com o objetivo de estimular a criação de organizações específicas para esse fim (DE ROO; IAGTENBERG, 2003).

A terceira abordagem, a legalista, é aquela adotada por países como França, Alemanha, Espanha, Grécia e a Itália, considerada a maior expoente deste movimento. Nestes países, conforme De Palo, os impactos dos esforços institucionais tem sido muito menos significativos do que nos países que adotaram a abordagem pragmática. A Itália, por exemplo, é o país com o maior número de leis sobre mediação. Entretanto, é um dos países que menos leva à sério tal método de resolução de conflitos.

A ABORDAGEM LEGALISTA ITALIANA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS FACE AO PROBLEMA CULTURAL DA MEDIAÇÃO

Em 1991, o Parlamento Italiano criou uma nova posição jurisdicional no âmbito municipal, o Giudice di Pace. O Juiz de Paz, além de desempenhar funções judiciais tradicionais sobre assuntos de pequenas causas, poderia exercer a função de medidor, a pedido de uma das partes.

Em 1993, o Parlamento aprovou a Lei nº. 580, que permitiu que as câmaras de comércio criassem serviços de mediação. Desde então, mais de 100 câmaras de comércio criaram centros de conciliação dentro da Itália. Em 1998, através da Lei nº. 192, uma lei impôs a mediação pré-judicial em casos que envolvessem questões comerciais, que poderiam ser resolvidas por tais centros criados pelas próprias câmaras de comércio ("le controversie relative ai contratti di subfornitura di cui alla presente legge sono sottoposte al tentativo obbligatorio di conciliazione presso la camera di commercio, industria, artigianato e agricoltura nel cui territorio ha sede il subfornitore, ai sensi dell'articolo 2, comma 4, lettera a), della legge 29 dicembre 1993, n. 580").

Em Janeiro de 2003, o governo italiano utilizou-se de decretos legislativos para estabelecer o registro nacional de organizações privadas e públicas de mediação, chamado Organismi di Conciliazione, mantido pelo Ministério da Justiça. O decreto estabeleceu que os acordos de mediação feitos por instituições cadastradas em tão órgão governamental teriam eficácia executiva.

Em Maio de 2008, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram a Diretiva nº. 58/2008, com a mensagem expressa de que "a mediação não deverá ser considerada uma alternativa ao processo judicial". A Diretiva contém 14 artigos, estipulando os padrões básicos para a mediação em todos os Estados-Membro da UE. No art. 1, por exemplo, deixa claro o objetivo da Diretiva: "O objectivo da presente directiva consiste em facilitar o acesso à resolução alternativa de litígios e em promover a resolução amigável de litígios, incentivando o recurso à mediação e assegurando uma relação equilibrada entre a mediação e o processo judicial".

Estabelece também, no art. 3º., a definição de mediação com um "processo estruturado, independentemente da sua designação ou do modo como lhe é feita referência, através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo sobre a resolução do seu litígio com a assistência de um mediador. Este processo pode ser iniciado pelas partes, sugerido ou ordenado por um tribunal, ou imposto pelo direito de um Estado-Membro". E em seu art. 4º., deixa claro que os Estados devem incentivam, por todos os meios adequados, o desenvolvimento e a adesão de códigos de conduta pelos mediadores e organismos que prestem o serviço de mediação. Com isso, pretende a União Europeia garantir que a mediação seja conduzida de modo eficaz, imparcial e competente.

Em razão da Diretiva do Parlamento Europeu, o Parlamento Italiano aprovou em 04 de Março de 2010 o Decreto Legislativo n. 28, 4 marzo 2010, o qual foi publicado no Diário Oficial no dia seguinte.

O Decreto estipula em seus 24 artigos todo o procedimento de mediação na Itália, trazendo algumas novidades, como por exemplo a possibilidade do pedido de mediação, que pode ser feito por uma das partes, a qualquer momento, para que o processo judicial seja remetido a um dos órgãos de mediação credenciados no Organismi di Conciliazione, nos casos de litígios comerciais e civis e o tempo limite de quatro meses no procedimento de mediação ("art. 6 - Il procedimento di mediazione ha una durata non superiore a quattro mesi").

Entretanto, o que mais chama atenção neste Decreto Legislativo é a imposição, ou obrigatoriedade, do procedimento de mediação perante novas demandas judiciais civis e comerciais. No art. 5, fica claro que uma das condições da ação é a existência prévia de mediação ou conciliação, nos termos da legislação italiana: "Chi intende esercitare in giugizio un'azione relativa ad una controversia in materia di condominio, diritti reali, divisione, successioni ereditarie, patti di famiglia, locazione,, comodato, affitto di aziende, risarcimento del danno derivante dalla circolazione di veicoli e natanti, da responsabilità medica e da diffamazione con il mezzo della stampa o con altro mezzo di pubblicità, contratti assicutativi, bancari e finanziari, è tenuto preliminarmente a esperire il procedimento di mediazione ai sensi del presente decreto ovvero il procedimento di conciliazione previsto dal decreto legislativo 8 ottobre 2007, n. 179, ovvero il procedimento istituito in attuazione dell'articolo 128-bis del testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia di cui al decreto legislativo 1º settembre 1993, n. 385, e successive modificazioni, per le materie ivi regolate. L'esperimento del procedimento di mediazione è condizione di procedilibità della domanda giudiziale. L'improcedibilità deve essere eccepita dal convenuto, a pena di decadenza, o rivelata d'ufficio dal giudige, non oltre la prima udienza. Il giudice ove riveli che la mediazione è già iniziata, ma non si è conclusa, fissa la succssiva udienza dopo la scadenza del termine di cui all'articolo 6."

Portanto, frisa-se novamente, o procedimento de mediação em casos específicos (questões de condomínio, direitos reais, divisões, comodato, sucessão hereditária, locação, etc) tornou-se condição de admissibilidade da ação judicial. E mais um fato curioso. Mesmo sendo obrigatória ou exigida como condição formal da ação judicial, o procedimento de mediação e seus atos não são submetidos à formalidade, podendo seguir o rito procedimental específico de cada organismo de mediação (art. 3).

Não obstante a crescente onda legislativa Europeia em prol da mediação, constata-se na Itália que a mediação ainda não é compreendida de forma plena nas Universidades, nos escritórios de advocacia e nas ruas.

Pesquisas apontam que, no âmbito comercial, "68% dos advogados italianos nunca aconselharam o uso da mediação antes de ingressar com uma ação judicial" (DE PALO, 2005, 474) e que apenas 5% dos advogados contratados por empresas italianas sugeriram a utilização de um mediador em litígios.

Isso aponta para uma contradição na abordagem legalista da mediação italiana. Enquanto leis e decretos são aprovados, impondo a utilização da mediação, os profissionais italianos não estão advogando em favor da mediação.

Portanto, constata-se uma antipatia aos métodos alternativos de solução de conflitos enraizada na cultura italiana. Soma-se a esse fato, "a inclinação da classe dominante na manutenção do status quo" (DE PALO, 2005, p. 476), bem como o instinto de preservação dos advogados em manter a tradicional perspectiva do processo, como algo distante do cidadão comum.

CONCLUSÕES

Nos parece que há um grave problema cultural com relação à mediação, não só na Itália, mas em todo o mundo. A Suíça, conforme Isaak Meier, é o país que melhor utiliza a mediação, pelo simples fato de já existir uma forte cultura de negociação e diálogo na história do país, conhecido por sempre optar pela paz mesmo em períodos bélicos, e pela pré-existência dos Juízes de Paz (Juges de Paix) e pela figura do Ombudsman (funcionário público ou privado encarregado em ouvir críticas, reclamações e problemas, com o objetivo de estabeceler o diálogo entre as partes), antes mesmo das recentes ondas de imposição do procedimento da mediação por parte da União Europeia.

Por fim, podemos nos questionar: até que ponto a abordagem legalista da mediação é efetiva? A experiência italiana não nos mostra a necessidade de se introduzir a mediação com medidas de médio e longo prazo, como a introdução da disciplina de teoria e prática de mediação nos próprios bancos universitários? No Brasil, com a simples adoção da mediação obrigatória no novo Código de Processo Civil, não estaríamos repetindo o mesmo erro italiano?

A experiência vicária tem algo a nos ensinar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BILLIET, Philipppe. An Introduction to the Directive on certain aspects of mediation in civil and commercial matters. In: The New EU Directive on Mediation. Apeldoorn: Maklu, 2008.

DE PALO, Giuseppe. Mediation in Italy: Exploring the Contradictions. Negotiation Journal, v. 21, n. 4, October 2005, p. 469-479.

DE ROO, Annie; JAGTENBER, Rob. The Netherlands encouraging mediation. In: Global trends in mediation, edited by N. Alexander. Cologne: Otto Schmidt Publishing, 2003.

MEIER, Isaak. Mediation and conciliation in Switzerland. In: Global trends in mediation, edited by N. Alexander. Cologne: Center for Mediation, 2003.

PARLAMENTO DELLA ITALIA. Decreto Legislativo 4 marzo 2010, n. 28. Pubblicato sulal Gazzeta Ufficiale n. 53 del 5 marzo 2010.



[1] Graduando em Direito e Pesquisador PIC/UEM pela Universidade Estadual de Maringá (PR).

E-mail: rafa_zanatta@hotmail.com



Como fazer parte?

Apenas envie um e-mail para rafa_zanatta@hotmail.com . Você será cadastrado como autor/colaborar e terá plenos poderes para publicar textos neste blog.
Tecnologia do Blogger.